O alemão Gerd Leonhard se dedica a um trabalho que tem muito de filosofia, mas também de pragmatismo: ele é um futurista, e dos mais prestigiados do mundo. Suas previsões ressoam nos ouvidos dos executivos de multinacionais como Google, IBM, Microsoft, Visa e ainda dos líderes da Comissão Europeia. Também conhece bem o Brasil: é professor visitante da Fundação Dom Cabral, em São Paulo.
Nessa viagem no tempo que é a base de suas palestras, vídeos e podcasts, ele traz boas notícias: a de que o futuro é melhor do que a gente imagina. E que essa boa perspectiva não depende de políticos, grandes corporações ou bancos. Depende principalmente das nossas atitudes em relação ao consumo, à alimentação e às empresas que apoiamos. “Na Europa, 71% das pessoas acreditam que o futuro é terrível. Mas elas precisam entender que há um bom potencial”, explica.
Para convencer mais gente a compartilhar dessa visão e empoderá-la quanto ao destino do nosso planeta, Gerd criou um projeto chamado The Good Future (“o futuro bom”). A ideia, condensada em um filme de curta-metragem e em páginas na internet, é divulgar conteúdo sobre como podemos ter um porvir equilibrando progresso com humanismo, tecnologia avançada com emprego, produção de alimentos com responsabilidade ambiental.
Você pode achar que ele é um sonhador, mas tudo o que Gerd diz tem fundamento, caminho e sentido. E um bocadinho de fé na humanidade também. Confira a entrevista!
Vivemos um período de pandemia, crise climática, risco de guerra nuclear… Por que, mesmo assim, você se mostra otimista quanto ao futuro?
De fato, temos problemas que parecem grandes demais, mas também temos mais capacidade para lidar com eles. Por exemplo, estamos criando recursos contra a crise climática todos os dias, como a fusão nuclear. Nosso maior problema não é que não tenhamos as ferramentas, a ciência ou o dinheiro. É que temos as políticas erradas. Precisamos de decisões melhores.
Sou um otimista, porque acredito que podemos resolver a maioria dos problemas: água, comida, doenças, mudanças do clima, pandemia… Mas isso vai exigir que mudemos as políticas e que tenhamos maior ênfase nos benefícios coletivos, em ter maior colaboração e uma perspectiva maior de mundo.
Você diz que precisamos agir logo. Quais as questões que mais chamam atenção?
Acho que temos uma mentalidade presa no passado, com foco no crescimento. Há 20 anos, as mudanças climáticas já eram um problema, mas não como hoje. Agora, vemos o mundo tomado por inundações, pessoas morrendo pelo calor, migrações por causa do clima. No passado, podíamos continuar consumindo mais recursos naturais, e as consequências não eram tão grandes. Mas agora elas estão aumentando exponencialmente.
E temos os efeitos das mídias sociais, que são as fake news e seus danos à democracia. Dez anos atrás, com a Inteligência Artificial da época, você podia usar o Google Maps, mas agora tem a possibilidade de criar um relatório de pesquisa. Então, estamos perdendo empregos por causa da automação. Nós não podemos esperar pelos programas sociais até que tenhamos 100 milhões de pessoas sem trabalho. Precisamos pensar nas consequências da tecnologia e redirecionar o dinheiro.
O futuro da alimentação será sem carne, pelo impacto que a produção tem na natureza?
Acho até ser possível que a maioria das pessoas continue comendo carne, mas o crescimento na alimentação será vegetariano. Podemos produzir comida em fazendas verticais, por exemplo. O que não deve continuar é essa cultura de carne de grandes rebanhos, que mandamos para a China e, em troca, ganhamos um problema climático. Acho que vamos consumir menos carne barata e comer mais carne de boa qualidade. A carne vai ser mais cara e, talvez, você prefira aquela à base de vegetais. Precisamos ter alternativas para as proteínas, ser mais inteligentes na criação de gado e mudar a indústria alimentícia para que pare de nos envenenar.
Haverá empregos suficientes com o avanço da tecnologia?
Os empregos no futuro estarão em tudo o que os computadores são incapazes de fazer, porque são máquinas binárias, e o mundo real não é feito só de zero e um. Nós, humanos, podemos usar intuição, imaginação, justiça, valores. Um computador pode ler todos os livros da filosofia em dois minutos, mas isso não o torna um filósofo. O que nossas crianças precisam aprender é criatividade, empreendedorismo, inovação, negociação, emoções, contato com a natureza… Vamos ter um grande crescimento de empregos na área social, para lidar com os idosos, por exemplo. Teremos mais trabalho direcionado para as pessoas do que para construir edifícios.
Qual é a sua definição do que é um futuro bom para nós?
É um futuro que depende de um ponto de vista holístico, baseado em quatro Ps: pessoas, planeta, propósito e prosperidade. Alguns de nós têm uma vida mais simples. Mas eu não acredito num futuro inverso ao crescimento. Acho que isso é muito difícil, pois humanos têm filhos, e eles têm um custo. Nós viajamos muito, e isso é terrível para o meio ambiente. Nós comemos, o que acaba sendo ruim para a natureza. Mas um futuro bom passa por ter moderação.
Você defende que as pessoas se sintam empoderadas para construir esse futuro. Como isso pode ser feito?
Não devemos apoiar empresas ou governos que não estejam conectados a esses quatro Ps. E o ciclo da economia deve compensar suas ações. Se você tiver uma rede de supermercados, ela pode investir em fazendas urbanas, o que a torna mais independente da indústria alimentícia. Também precisa haver um número suficiente de pessoas dizendo que é terrível o que se faz com a Amazônia. Quando uma parcela significativa da população cria um movimento, políticos e grandes empresas tendem a responder a essas demandas. Vira uma onda. Por isso, as pessoas precisam acreditar que o futuro, sim, pode ser bom.
Por Alex Martins – revista Vida Simples