Ao longo da nossa história neste chão, interferimos no planeta a tal ponto que as mudanças promovidas por nós no clima afetam não apenas os humanos como também a todos os seres vivos. Mas, se agirmos agora, ainda é possível alterar a rota. “Fazer bem ao planeta a partir das nossas práticas diárias é fazer bem para nós enquanto espécie, entendendo que tudo está interligado na ampla teia da vida”, diz a nutricionista ecológica Bruna de Oliveira.
Segundo ela, trazer para o cotidiano alguns princípios ecológicos pode melhorar a saúde humana e do planeta, importante para os animais (e estamos incluídos aí), o reino vegetal e mineral. E a compaixão pode ser uma companheira motivadora. “Tudo que foi feito até aqui mais depredou do que germinou, e precisamos de muitas boas sementes para voltarmos ao jardim primordial onde tudo começou a florir e crescer”, reflete a empreendedora social da Crioula Curadoria Alimentar.
Com a ajuda dela e da geógrafa Lívia Humaire, idealizadora do projeto Transições Ecológicas, apresentamos nove tópicos para você colocar em prática no dia a dia e ser parte da profunda transformação de que precisamos para salvar o planeta e a nós mesmos.
O planeta é pesado demais
Mas vale dizer: antes de ler, respire fundo, sabendo que as mudanças acontecem um passo por vez. Bruna sugere começar observando o seu dia a dia com um olhar investigativo sobre necessidades básicas, como comer, vestir e morar.
De onde vêm os alimentos que fazem parte da minha alimentação? Com qual frequência compro roupas novas? Qual a principal fonte de energia que chega até a minha casa? Essas são algumas das perguntas a se fazer para, pouco a pouco, expandir a consciência sobre as causas dos desequilíbrios ambientais no seu cotidiano.
Lembre-se também que a ação individual é fundamental, mas tem suas limitações. Afinal, já nascemos em uma sociedade fruto de fenômenos históricos, como as Grandes Navegações, a Revolução Industrial e um capitalismo voraz.
“Para transformar o sistema, é preciso construir políticas públicas, regulamentações para grandes empresas, segurança social, e pessoas isoladas não fazem isso”, atesta Lívia. Entre os jeitos de fazer desta luta uma ação menos solitária está se unir a coletivos, ONGs, associações e demais entidades que pressionem o poder público e privado por mudanças efetivas e estruturais. Vamos lá?
1. Reduza (ou elimine) o consumo de carne
No Brasil, a pecuária é responsável por 22% das emissões de gases de efeito estufa, segundo o Observatório do Clima. A criação de gado – e as monoculturas de soja que servem para alimentá-lo – é a causa de grande parte da destruição da Amazônia e do Cerrado, “biomas fundamentais para a regulação do nosso clima”, pontua Lívia.
Esse modelo de produção de alimentos também ameaça as terras destinadas aos povos e comunidades tradicionais, fundamentais para a preservação dos ecossistemas. Por isso, o primeiro passo para uma transição de padrão alimentar é abrir seu paladar para a biodiversidade vegetal brasileira, experimentando grãos, frutos e folhas, outros sabores e texturas para além da carne. Você pode começar pela segunda sem carne e aos poucos aumentar a quantidade de dias sem consumo de proteína animal.
2. Evite descartáveis e plásticos
Materiais descartáveis são feitos à base de petróleo e levam centenas de anos para se decompor. São baratos para a indústria, mas custam muito caro ao meio ambiente. Os oceanos estão repletos de embalagens plásticas que contribuem para a degradação marinha – e nossa, que consumimos esses animais.
Nos lixões e aterros, o plástico não reciclado contribui para as emissões de gases que intensificam o efeito estufa e o aquecimento global. Frequentar lojas a granel, mercados e feiras levando sacolas de pano e de papel, além de recipientes de vidro, ajuda a recusar os plásticos de uso único.
Além disso, leve com você um kit de talheres, guardanapo e canudo. Assim, terá sempre à mão quando precisar comer fora de casa, recusando opções descartáveis. Também vale pressionar a indústria para que utilize opções mais ecológicas
3. Recicle
“No mundo, a taxa de reciclagem é de menos de 10% do que se produz. Além disso, há o envio de lixo para países asiáticos por parte da Europa e dos Estados Unidos, provocando grandes problemas socioambientais para os povos que recebem esse material”, explica Lívia.
Por outro lado, Bruna lembra que a reciclagem é um setor econômico importante para muitas pessoas. Por isso, é valioso fortalecer entidades de catadores, como o Cataki, plataforma que conecta pessoas e empresas a esses trabalhadores, por exemplo.
Assim, se não há coleta seletiva no seu bairro ou condomínio, você pode começar separando o lixo orgânico do lixo reciclável e combinar a retirada desse material. No macro, vale cobrar do poder público a coleta seletiva nos bairros, municípios e Estados, e que as indústrias se responsabilizem pela gestão de seus rejeitos.
4. Compre localmente
Lembra aquela vendinha da esquina onde você ia comprar alimentos quando era criança? Isso já era consumir local. “Comprar próximo ao lugar onde você vive é encurtar as distâncias, diminuindo as emissões de CO 2 e fortalecendo a economia local pelo pequeno e médio comércio”, conta Lívia.
Busque se aproximar de pessoas que produzem alimentos orgânicos, cosméticos naturais, roupas, artesanatos e outros produtos biodegradáveis na sua região. Converse com elas sobre a origem e os insumos usados para ampliar sua consciência sobre o que consome e criar laços afetivos.
Já Bruna observa que é interessante esse circuito curto começar e terminar numa mesma região, mas, em comparação com todo o consumo internacional que acontece diariamente, valorizar o comércio nacional, por vezes, também é valioso.
5. Composte
Transformar lixo orgânico em adubo. Eis a “mágica” da compostagem. “Resíduos orgânicos são 50% do total de resíduos produzidos por cada família. Compostar é resolver, então, metade desse problema”, contabiliza Lívia.
É possível comprar uma composteira pronta ou construí-la com base em tutoriais encontrados na internet. “Uma composteira bem gerida não causa mau cheiro nem atrai bichos. Basta manter a tampa fechada e a mesma proporção de matéria orgânica e seca”, incentiva Bruna.
O lixo que vira adubo também se torna um belo incentivo para cultivar seus próprios alimentos em casa e/ou apoiar hortas comunitárias. Outra opção é entregar seus resíduos a uma empresa de compostagem urbana, que até recompensa seus colaboradores. E é válido pedir por compostagem pública e mudar o problema estruturalmente.
6. Dispense o carro
O setor de transporte contribui com 25% das emissões globais de gases de efeito estufa segundo relatório da 24ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Então, evitar o carro é uma forma de contribuir para a redução da emissão de gases poluentes, especialmente o CO 2. “A utilização de bicicleta, transporte público ou até mesmo a caminhada faz parte das atividades que podem ser repensadas a partir de uma perspectiva sustentável”, diz Bruna.
Mais uma vez, essa atitude deve ser acompanhada de políticas públicas que tornem as cidades mais amigáveis aos pedestres e ciclistas – com boas ciclovias e pavimentação adequada, além da redução do limite de velocidade para os carros em ruas onde passam bicicletas e pessoas – e do investimento em transporte público mais eficiente e que utilize fontes renováveis de energia.
7. Consuma de forma responsável
Questione de onde vem o que você compra, consuma menos e reutilize mais. A partir desse mote, dê preferência a alimentos in natura, especialmente os orgânicos ou minimamente processados. Evite comprar roupas desnecessariamente e, quando precisar, prefira aquelas feitas de maneira artesanal ou compre em brechós.
Valorize produtos que não poluem o meio ambiente, como cosméticos e produtos de limpeza biodegradáveis. Você também pode optar por móveis de madeira certificada e escolher eletrodomésticos e eletroeletrônicos de maior durabilidade. Dê preferência para empresas próximas de você e consuma em feiras de pequenos produtores e agroecológicas. Experimente outras formas de relação, como as trocas e as permutas.
8. Não desperdice alimentos
Não é só aquele restinho de arroz que ficou no prato. O desperdício está em todas as etapas da produção alimentar. “Ele começa no campo, passando pelas rodovias, chegando aos centros de abastecimento, aos mercados e até às nossas cozinhas”, diz Bruna, que ressalta a importância energética de não haver desperdício.
Valorizar o trabalho do agricultor e a força da natureza em produzir um alimento passa por utilizá-lo até o talo. Por isso, ela sugere, compre alimentos inteiros: “As ramas da cenoura, as folhas da beterraba, do brócolis e do repolho são comestíveis, saborosas e nutritivas”, garante. Para evitar o desperdício, faça uma lista com as principais refeições e seus ingredientes. Armazene os alimentos adequadamente. E congele o que você não utilizará antes que estrague.
9. Pressione o poder público
“O aquecimento global não surgiu a partir de práticas individuais. É um problema sistêmico que deve ser combatido de maneira sistêmica. A potência do impacto positivo está no coletivo”, aposta Bruna. Uma dica simples para começar é “resgatar valores e práticas comunitárias, desde relações em nossa rua, condomínios e bairros”, soma Lívia.
Você também pode se engajar em movimentos ativistas, como o Jovens Pelo Clima. Participe de associações, cooperativas, ONGs e conselhos sociais do seu município, como o de segurança alimentar, nutricional e de saúde. Antes de votar, verifique se o candidato está comprometido com questões ambientais. Depois das eleições, acompanhe o cumprimento das promessas e pressione os representantes na internet e nas ruas.
Por Martina Medina – revista Vida Simples
É jornalista, adora conversar com os produtores da feira local e não vê a hora de construir a própria composteira.