Imagine uma internet tridimensional, na qual o usuário pode entrar e caminhar de aplicativo em aplicativo. Reunião de trabalho? Bata na porta do Zoom e sente-se com seus colegas em torno de uma mesa. Aula? Haverá uma sala no Meet, com carteiras e a versão em pixels do seu professor. Eis o que temos chamado metaverso, um mundo que já é familiar para muita gente – e um grande enigma para tantas outras.
Embora seja a novidade dos últimos tempos, o termo foi cunhado pelo escritor de ficção científica Neal Stephenson em 1992. Ele imaginava uma versão imersiva e distópica da internet, na qual usaríamos óculos especiais para ter a ilusão de estar dentro da rede, encarnados em avatares 3D.
Como funciona o metaverso?
Quase 20 anos depois, em outubro de 2021, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou que a empresa – também dona do WhatsApp e do Instagram – estava mudando de nome para Meta e passaria a focar seus esforços na implantação de um metaverso para valer. Zuckerberg, vale dizer, não é o proprietário do metaverso, pois ele é algo descentralizado como a internet. Qualquer empresa poderá ter endereços lá dentro.
Para acessar essa realidade virtual, os usuários precisam de headsets. Essas engenhocas são capacetes que forram todo o campo de visão. Isso fornece a ilusão de que você está dentro da tela, e não meramente olhando para ela. Não por coincidência, a Meta é dona da empresa Oculus, especialista nesses gadgets. Uma vez imerso na máquina, seu corpo é substituído por um correspondente digital: um boneco 3D chamado avatar. Para que você possa comandá-lo, o headset é acoplado a detectores de movimento. Quando você se mexe na vida real, seu boneco se mexe no metaverso.
Escândalos do Facebook
Na prática, esse investimento do Facebook também foi uma tentativa de atenuar uma crise baseada em dois escândalos: em 2016, uma empresa britânica usou dados de usuários do Facebook, coletados sem consentimento, para assessorar a campanha que levou à eleição de Donald Trump nos EUA. Mais tarde, em maio de 2021, uma ex-funcionária revelou que o Facebook ignorou relatórios internos sobre os impactos sociais negativos de suas operações.
O anúncio do metaverso pode ter sido uma cortina de fumaça, mas também é um plano de longo prazo. Raja Koduri, vice-presidente da Intel, já afirmou que a capacidade de processamento das placas de vídeo e CPUs atuais precisa aumentar mais de mil vezes para dar conta de um metaverso minimamente realista – no qual, por exemplo, as expressões faciais dos usuários se traduzam nos avatares com alguma fidelidade. O Horizon Worlds, protótipo de metaverso do Facebook que já opera hoje, só comporta algumas dezenas de pessoas por sessão, e os avatares são cartunescos.
Cópias dentro da rede
Um problema de viver o cotidiano dentro da rede é lidar com propriedade privada. Os economistas da vida real dividem os bens em dois tipos: os fungíveis e os não fungíveis. Os fungíveis, grosso modo, são aqueles que podem ser substituídos por outros idênticos sem prejuízo, como uma nota de dez reais, uma barra de ouro ou um saco de arroz.
Já os não fungíveis são aqueles dos quais há apenas uma cópia, como a Monalisa, a sua casa ou um manuscrito do Machado de Assis. Dentro de um computador, bens desse gênero são uma impossibilidade, pois qualquer arquivo pode ser copiado infinitas vezes. Se Machado tivesse digitado “Dom Casmurro” no Word, todos poderíamos ter o arquivo – e ele não valeria nada.
Conceito de NFT
É por isso que surgiram as NFTs, sigla em inglês para “token não fungível”. Imagine, apenas para fins didáticos, uma foto no seu celular que impede prints. Também não é possível enviá-la por WhatsApp ou postá-la no Instagram. Se você der ou vender a foto para alguém, ela desaparece do seu smartphone e passa a ficar armazenada na memória do aparelho do novo proprietário.
Isso é uma NFT: um item digital único e não fungível. O mesmo sistema de segurança que permite as NFTs, chamado blockchain, permite a existência do bitcoin e outras criptomoedas: as notas são como “fotos” intransferíveis. Caso contrário, daria para copiar e colar seus bitcoins, o que seria equivalente a imprimir dinheiro, gerando uma inflação incontornável.
Já existem empresas vendendo NFTs em metaversos rudimentares, bem como iniciativas mais ousadas. No começo de dezembro, um casal da Flórida celebrou seu matrimônio numa sala virtual projetada pela empresa Virbela. Com o isolamento social, a ausência de ambientes virtuais para viabilizar o cotidiano pandêmico forçou o Vale do Silício a pensar no metaverso como algo mais plausível e não tão distante.
Possibilidade de avanço do metaverso
Uma possibilidade é que ambientes de realidade aumentada se tornem o futuro do home office pós-pandêmico e sofram do ranço corporativo. Depois de um dia de reuniões infrutíferas ou aulas de química com um headset na cabeça, talvez ninguém queira prolongar sua estadia no metaverso após o expediente.
Por outro lado, a internet imersiva pode ser um passo além na interação hipnótica e comprovadamente viciante que já estabelecemos com nossos celulares. A interface dos apps é pensada para manipular nossa atenção, e recursos similares de psicologia comportamental estarão disponíveis aos designers de mundos 3D.
Desigualdade on-line
Outro problema é a desigualdade on-line, que no Brasil já se manifestou na dificuldade de alunos carentes em assistir a aulas durante a pandemia. Neal Stephenson também especulou, em seu romance “Snow Crash”, que pessoas mais pobres sofreriam com pontos de acesso públicos a essa rede imersiva, que forneceriam avatares de baixa definição, criando uma nova forma de discriminação social.
O que o futuro reserva?
A tecnologia é nova, mas a lição é a mesma de sempre: computadores fornecem possibilidades, seres humanos decidem o que fazer com elas. Nas próximas décadas, Zuckerberg e os demais empresários da Califórnia, sem dúvida, obterão a capacidade técnica necessária para tornar uma realidade virtual razoavelmente acessível e funcional. Resta saber se eles terão responsabilidade com aqueles que estiverem dentro dela.
Por Bruno Vaiano – revista Vida Simples
É repórter de nuvens, pássaros e universos paralelos (inclusive os virtuais). Escreve sobre ciência e tecnologia na Superinteressante e no IQC.