Certa vez assisti a um filme em que a protagonista, em uma bela noite de reflexões, resolvia fazer uma mudança em sua vida. No dia seguinte, acordava cedo, saía para correr, trocava a pizza por uma refeição saudável, trabalhava com entusiasmo, se inscrevia no curso que sempre sonhou e, de quebra, antes de dormir, lia metade do livro que estava parado na estante. Algumas vezes, com muita vontade de mudar certos hábitos, desejei ser essa personagem. Quando acordava, porém, era a mesma taurina aterrada de sempre.
Novos hábitos exigem esforço e energia
Depois de algumas ponderações, passei a considerar que aquele enredo do filme fez um recorte privilegiado que não mostrava os dias de desânimo que a personagem certamente passaria na vida real.
“Rotinas idealizadas são possíveis. Mas há um caminho até lá. Precisamos dissolver a crença de que a mudança acontece de um dia para o outro”, ressalta Nicole Vendramini, especialista em saúde holística e cofundadora da Holistix, que cria produtos para o desenvolvimento de bons hábitos. Assim, podemos entender a rotina ideal como aquela aplicável à vida de cada um de nós hoje, construída em pequenos passos possíveis.
Antes de tudo, vale lembrar que a tendência do cérebro é resistir a mudanças, o que explica parte da nossa dificuldade em adotar novos hábitos e posturas. “Até que novas práticas se tornem hábitos, elas dão trabalho e exigem atenção. Mudar um hábito pressupõe substituir algo já estabelecido por algo que exigirá de nós esforço e energia”, explica Mônica Barroso, coach e facilitadora de jornadas de desenvolvimento da inteligência emocional.
Pequenos passos rumo à mudança
Assim, na busca por uma rotina mais harmoniosa, podemos começar com comportamentos bem pequenos, como explica Stephen Guise no livro Mini-Hábitos – Como alcançar grandes resultados com o mínimo de esforço (Objetiva). O autor justifica que mudanças bruscas nos afastam muito da nossa zona de conforto, tornando mais difícil manter esse hábito fora do círculo no qual estávamos acostumados.
“Com os mini-hábitos, é como se você andasse até a borda do seu círculo e desse um passo para fora da fronteira. Você sai para um território menos confortável, mas não muito […]. Mas, quando você insiste em sair do círculo, seu inconsciente passa a ficar confortável e seu círculo se expande.”
Para colocar essa ideia em prática, um bom começo é listar alguns hábitos que poderiam fazer você se sentir melhor e torná-los ainda menores, até parecerem simples de serem incluídos na rotina. Se deseja praticar ioga diariamente pela manhã, proponha-se a fazer um breve alongamento ao sair da cama sempre que se lembrar. Assim, quebrada a resistência inicial, a possibilidade de tornar esses comportamentos positivos mais complexos é maior.
Nessa jornada, habilidades emocionais como adaptabilidade, confiança e calma nos ajudam a lidar com as oscilações comuns do dia a dia. “A confiança em nossa capacidade de mudar e crescer é fundamental. Precisamos acreditar que podemos recomeçar todos os dias”, propõe Mônica.
Experiências positivas
Os mini-hábitos podem ser muito eficazes porque nos dão a possibilidade de experienciar, de degustar pouco a pouco, mesmo diante de rotinas mais desafiadoras. “Nos damos a chance de fazer algo que não é tão complicado, sentir se foi bom e tentar novamente amanhã”, detalha Nicole, que nos lembra como um hábito puxa o outro, cooperando para ganharmos consistência dia após dia. “Há uma sensação de ‘fiz algo por mim’, o que te motiva a seguir. E uma cadeia de mini-hábitos vai transformando a rotina em algo mais consistente.”
Mas, ainda que tenhamos a possibilidade de construir mudanças pouco a pouco, como garantir que esses pequenos comportamentos sejam de fato expressões de gentileza conosco, e não mais uma fonte de cobranças e expectativas? “Uma das nossas maiores dificuldades para criar hábitos é a falta de acesso interno ao que realmente desejamos”, alerta a especialista de Holistix.
Por isso, é comum que nossas inspirações e motivações para almejar novos hábitos sejam externas: queremos ter determinada rotina porque vimos nas redes sociais ou buscamos mudar uma postura porque alguém disse que era bom.
Propósito, mudança e autonomia
Nesse caminho, Mônica lembra a importância de saber qual é o propósito por trás daquela mudança desejada. E não se trata de uma mensagem divina, mas de pequenas ações que fazemos na direção do nosso desejo.
“Ter propósito é estar a caminho, mais do que chegar a um destino. E a sensação de estar a caminho passa por hábitos ou ações autênticas, ou seja, hábitos que refletem o que pensamos e sentimos”, observa.
Para um novo comportamento se tornar de fato uma ação significativa, é essencial que o processo pressuponha autonomia e autorresponsabilidade. Perguntamos, dentro de nós, o que é que gostaríamos verdadeiramente de mudar em nossas vidas.
“Achar esse porquê é a chave para tornar as mudanças consistentes e fazer pequenas coisas todos os dias”, esclarece Nicole. Nesse caminho, Mônica nos lembra o quanto é fundamental identificarmos e reconhecermos nossos padrões mentais e emocionais, atentos ao que pede mudança: “é preciso estar sempre atento àquilo que ficou velho, ultrapassado, e abrir espaço para o novo”.
Ter consciência de si é o primeiro passo para a transformação
Em seu livro, Stephen Guise ressalta que “uma das perícias mais importantes que a gente pode ter é a atenção, que significa ter consciência do que pensamos e fazemos. Ter atenção é a diferença entre viver com propósito e se deixar levar pela corrente”. Portanto, quando decidimos repetir um pequeno comportamento positivo de uma área relevante para a nossa rotina, cultivamos um cuidado consciente e potencializamos mudanças futuras.
E assim, ao nos comprometermos com o nosso próprio movimento por meio de passos simples, mas potentes, podemos ressignificar as rotinas idealizadas do cinema para nos tornar diretores da nossa própria história, valorizando cada frame que nos conduz à cena da grande transformação.
Por Anaiza Selingardi – revista Vida Simples
Jornalista e, depois deste texto, deseja olhar para a rotina com mais carinho, valorizando as pequenas mudanças possíveis.