Essa questão simples já está fazendo parte do nosso dia a dia: “Você já reparou como está aumentando o número de autistas?”. Essa é uma pergunta recorrente nas rodas de conversas diárias por aí. No senso comum, as pessoas já estão percebendo o quanto tem aumentado o número de autistas no Brasil. A afirmação não deixa de ser verdadeira. Porém, entender essa questão não é tão simples assim.
De um lado, a saúde afirma que as metodologias para o diagnóstico precoce têm aumentado a rapidez nesses diagnósticos e, por isso, tantas crianças fecham cedo essa avaliação médica. Por outro lado, estatísticos de plantão afirmam que o número era subnotificado e que, agora, fica mais difícil esconder essa realidade entre outras patologias – o que acontecia normalmente no passado.
Ou seja, com a entrada de um importante protocolo no SUS (Sistema Único de Saúde) para esses diagnósticos foram universalizadas as condições para toda a população. Hoje, o diagnóstico pode ser realizado na rede pública de saúde e nas redes privadas também. Todos seguem, mais ou menos, os mesmos procedimentos. Há, ainda, os educadores que justificam o aumento do número de autistas graças às competências que eles estão desenvolvendo para reconhecer essas características. E isso é verdadeiro.
Papel da escola no diagnóstico infantil
Com o aumento dos estudos e com a facilidade que hoje os educadores têm de chegar até eles, ficou mais fácil para que uma criança seja notada em sua singularidade. Aliás, é importante registrar aqui que quase que a totalidade de diagnósticos infantis passam, ou passaram, pela rapidez da escola.
Hoje, as escolas conseguem localizar os sinais do autismo mais rapidamente que as famílias. Isso não significa que as escolas estejam preparadas para acolher e para trabalhar com essas crianças. Estamos aqui apenas registrando a realidade para o aumento exponencial dos casos de diagnósticos de TEA.
Limitação do conhecimento sobre o autismo
Há, ainda, os pesquisadores, neuros e psiquiatras, que ainda são cautelosos para darem uma resposta definitiva. O aumento de caso, para esses, pode ser por conta de uma multiplicidade de fatores, alguns dos quais ainda nem localizados ou explicados. O que se sabe sobre o autismo hoje em dia é muito pouco e muito pobre. Essa é a grande verdade.
Fatores ligados ao desenvolvimento do TEA
De maneira geral, os especialistas consideram que a contribuição dos fatores genéticos esteja ao redor de 90%, sobrando para o ambiente apenas 10% da responsabilidade. Autismo é o distúrbio de neurodesenvolvimento em que a herança genética desempenha papel mais importante.
Ainda assim, vale lembrar que não está ao alcance da biologia condicionar o destino, porque o ambiente modifica a expressão dos genes, e deficiências do desenvolvimento podem ser contornadas ou corrigidas com o aprendizado.
Há algum tempo, foram descritas anormalidades nos cromossomos responsáveis por 10% a 20% dos casos. Os demais seriam causados por alterações em múltiplos genes, surgidas quando os cromossomos se separam durante o processo de divisão celular. Mas há outras causas que também merecem atenção nos estudos. Os fatores ambientais podem aumentar ou diminuir o risco de TEA em pessoas geneticamente predispostas.
Embora nenhum destes fatores pareça ter forte correlação com aumento e/ou diminuição dos riscos, a exposição a agentes químicos, deficiência de vitamina D e ácido fólico, uso de substâncias (como ácido valpróico) durante a gestação, prematuridade (com idade gestacional abaixo de 35 semanas), baixo peso ao nascer (< 2.500 g), gestações múltiplas, infecção materna durante a gravidez e idade parental avançada são considerados fatores contribuintes para o desenvolvimento do TEA. Recentemente pesquisas sobre sêmen masculino também ganharam destaques e os estudos sobre as causas seguem pelo mundo afora.
Aspectos gerais do autismo
Sob o ponto de vista de características, há inúmeras. Há tantos autistas quanto as estrelas no céu – afirmou outro dia uma neurocientista. Todos eles apresentam condições diferentes. Talvez por isso seja tão difícil engavetar sinais e sintomas em uma única tábua de declaração.
Autistas são diferentes em potenciais e em limitações. Autistas carregam sinais e sintomas que se diferem uns dos outros. Porém, de maneira geral, eles irão apresentar dificuldades nas relações sociais e suas sustentações.
Irão ter dificuldades mínimas ou máximas em questões de comunicação. Apresentação de um ou mais comportamentos repetitivos que poderão se modificar ao longo da vida. Poderão ter uma grande capacidade intelectual ou apresentar uma deficiência intelectual grave. Podem apresentar, ainda, restrições alimentares ou simplesmente não terem qualquer restrição de alimentos.
Autistas podem ser dóceis e emotivos ou não fazerem nenhum uso de expressões ou manifestações emotivas. Autistas podem ter dificuldades sensoriais, que vão desde a coordenação motora até os movimentos. Autistas podem ter restrições de interesse ou simplesmente não terem interesse algum.
Singularidade no espectro autista
Como vimos, autistas não podem ser caracterizados conforme muitos acham. Eles são singulares e precisam ser compreendidos assim. É comum uma pessoa assistir a um filme cuja personagem seja autista e, no outro dia, sair pela rua achando que todos os autistas são daquela maneira. Ou, por outro lado, é mais comum ainda uma pessoa achar que os autistas são incapazes, delinquentes, agressivos ou completamente incapazes intelectualmente.
Essas diferenças na compreensão da pessoa TEA prejudica demais a inclusão dessas pessoas no mundo. Falta, quase sempre, a eles a dignidade justamente pela polaridade da visão que se tem na sociedade. O próprio símbolo do autismo representa isso.
Inicialmente, um quebra cabeça, rechaçado pelos próprios autistas porque simplesmente remetia a ideia de que eles eram assim: quebras cabeças incapazes de serem de uma cor só. Eles mesmos mudaram o símbolo para o infinito. Hoje, o símbolo do autismo é o símbolo do infinito, como se quisessem nos dizer que há infinitas possibilidades dentro desse espectro.
Importância do diagnóstico
Uma questão importante no autismo é que o diagnóstico tantas vezes é a parte mais importante da vida de um TEA, porque esclarece e o coloca inteiro na vida, mas muitas vezes é feito tardiamente. Nem sempre esse tardiamente é negligência.
Muitos autistas apresentam sinais e sintomas leves, o que leva os profissionais e levarem muitos anos para fecharem esses diagnósticos. Autistas mais severos têm sinais e sintomas mais evidentes e, por isso, as evidências justificam o diagnóstico precoce. Claro que se juntam a isso o fato de os profissionais serem competentes e possuírem bons protocolos para isso.
Níveis e comorbidades do TEA
O nível de suporte, outra condição importante dentro do autismo, refere-se ao fato de que aquela pessoa apresenta maior ou menor necessidade de suporte, ou seja, de apoio. Há autista de nível 1 de suporte que falam, interagem, não tem restrições de comunicação ou de emoção e possuem grande autonomia. Por outro lado, os autistas de nível 3 de suporte requerem grande atenção e apoio.
Há muitas pesquisas que evidenciam a mudança de um nível de suporte para outro, tanto para cima quanto para baixo. Mesmo que uma criança tenha nível mais elevado de suporte, com as terapias adequadas e com as práticas de cuidados corretas, essa realidade pode mudar.
Mas aqui vale um lembrete importante: os autistas podem apresentar comorbidades, que são quadros de saúde concomitantes. Esses quadros de saúde podem ser de diferentes naturezas. Os mais comuns são TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), TOD (Transtorno Desafiador Opositor), depressão e até mesmo transtorno de condutas. Geralmente, na adolescência esses quadros ficam mais evidentes.
Importância da família
Aqui entra a importância de as famílias terem grande conhecimento da realidade de seus filhos, pois, com boa condução amorosa e rotina, o adolescente pode atravessar essa fase sem grandes prejuízos. Mas, há aquelas famílias que não convivem com seus filhos, deixando-os somente com terapeutas. Isso costuma trazer grandes dificuldades na adolescência, pois, nessa fase, quase todos se recusam às terapias e, quando ficam em casa, as famílias não sabem o que fazer.
Assim, é importante que as famílias tenham consciência de que um filho autista vai ao médico e volta, vai ao psicólogo e volta, vai ao fisioterapeuta e volta. Mas, jamais vai à casa e volta. É na casa, no seio da família, onde acontece o mais importante processo terapêutico de uma criança e de um jovem autista. Eles precisam confiar e se vincular a alguém e, quando isso acontece, todo o resultado do trabalho passa a ser melhor.
Diferentes abordagens de terapia
Aqui entra outra coisa importante no mundo TEA: as terapias, que vão desde as ligadas às diferentes correntes psicológicas até as medicamentosas. Os remédios ajudam no controle dos sintomas, sobretudo quando as comorbidades começam a dar mais limitações à criança, ao jovem ou à família. Crises de violência, por exemplo, podem ter relação direta com isso, e a medicina já apresenta boas soluções terapêuticas para essa questão. Mas, por melhores que sejam os remédios, de nada adianta se a família, local em que verdadeiramente acontece o desenvolvimento do jovem TEA, não tiver boas condutas.
Como é feito o diagnóstico
O diagnóstico é feito por profissionais de múltiplas formações, desde um neurologista até mesmo o psiquiatra, passando pelo médico clínico e os psicólogos. Não existe uma formação específica ou única para fazer o diagnóstico.
O transtorno do espectro autista está descrito nos manuais universais de saúde e há protocolos tanto para o diagnóstico quanto para as condutas. No entanto, é preciso lembrar que a realidade do Brasil é imensa. Em vários municípios, não há esses profissionais para que a criança ou o jovem sejam avaliados. Nesses casos, qualquer profissional, devidamente qualificado, já consegue fazer a avaliação, e o encaminhamento passa a ser muito mais seguro.
Quantidade de autistas adultos no Brasil
Estima-se que hoje somos 2-3 milhões de autista diagnosticados vivendo no Brasil, mas há falhas no sistema, em razão dos motivos já elencados. Por isso, ainda não há um controle rígido e certeiro desse transtorno no Brasil.
Muitos adultos ainda não receberam o diagnóstico justamente por conta dessa falta de atendimento que há no país. Mas, também, existem adultos que tiveram seus sinais e seus sintomas ignorados tanto pela escola quanto pela família.
Há adultos autistas que passaram pela escola e pela família sem serem diagnosticados e hoje não conseguem se adaptar a um trabalho, muitos ficam sem explicação. Existem autistas adultos que não se comprometem com suas famílias; aqueles sem sentimento de solidariedade ou empatia; reclusos; com restrições alimentares e comportamentos repetitivos sem explicação; há adultos com dificuldade de convivência e trabalho em grupo, também sem explicações.
Esses adultos poderiam facilmente serem diagnosticados e atendidos com dignidade, mas aqueles que os cercam não veem nesses sinais um TEA. Essa questão tem sido a grande gênese dos novos debates. A sociedade precisa olhar o outro e escutá-lo, vê-lo em sua diferença.
Quando isso acontece, nós poderíamos, inclusive, oferecermos mais condições de qualidade de vida a essas pessoas. No entanto, somos tão fechados em normalidades e parâmetros que não prestamos atenção naqueles que estão à nossa volta e que precisam dessa percepção.
Por Geraldo Peçanha de Almeida
Psicanalista pela Sociedade Internacional de Psicanálise de São Paulo e pedagogo pela UNESP.