Faz décadas que ouvimos sobre os perigos das mudanças no clima da Terra, agravadas pela ação humana. Mesmo assim, no senso comum, até um tempo atrás esse tema parecia morar num futuro distante de nós, num imaginário apocalíptico meio perdido entre a ficção e as projeções de cientistas pessimistas.
Se pensarmos nos 8 bilhões de habitantes do planeta, uma minoria olhou com firmeza para a possibilidade real desse horizonte sombrio, a ponto de adotar novos hábitos, buscar conhecimento ou compartilhar ideias ecológicas com os amigos.
Hoje, sabemos, a soma do que fizemos para tentar corrigir a rota ainda está muito aquém do que precisamos para reverter o rumo do nosso próprio amanhã. O ano de 2023 foi o mais quente da história nos últimos 125 mil anos. Eventos extremos como chuvas torrenciais, enchentes, derretimento de geleiras e secas marcaram o noticiário em todo o mundo, registrando recordes históricos.
A mudança é urgente
A questão é: como podemos lidar com isso? Como vamos (escolher) encarar a emergência climática? Se não faz sentido negar ou não querer enxergar, tampouco deveríamos permitir que a sensação de impotência diante dos desafios nos leve à desesperança.
“O mundo sempre passou por processos difíceis e complexos, e as mudanças civilizatórias acontecem a passos lentos. Talvez não seja a nossa geração que vai dar conta da transformação”, afirma a engenheira ambiental e especialista em sustentabilidade Aline Matulja.
Ao mesmo tempo, ela avisa, não é mais possível esperar de forma orgânica e tranquila por esse tempo civilizatório, pois estamos cada vez mais perto do ponto de não retorno, em que não conseguiremos mais frear os efeitos das mudanças climáticas em curso.
“Nesse contexto, o ativismo atual se depara com a necessidade de ser mais rápido e consistente, e integrar as várias formas de ativismo (ambiental, de direitos humanos etc.) para viabilizarmos um futuro possível”, comenta.
Para inibir o desânimo
Não é fácil encarar de frente a questão. Às vezes, dá vontade mesmo de fugir das notícias – o que não resolve nada. “Nas causas anteriores, pensávamos globalmente e agíamos localmente, cuidando do nosso pedacinho, separando lixo, plantando árvores. O que leva desesperança a muitas pessoas é que, na questão climática, isso não basta, não funciona”, afirma Aline, completando que somente mudanças em escala de nações conseguirão nos tirar do trilho do colapso.
Para inibir o desânimo que às vezes bate à porta, a ambientalista recorre a um conceito da ativista e escritora norte-americana Joanna Macy, que é a ideia de esperança ativa (nome, inclusive, de um dos livros da autora).
“Mesmo nesse paradigma de incerteza, esperançar como forma de viver e manter a saúde mental tem me ajudado. Mas tem que ser uma esperança que coloca movimento nos nossos valores, na nossa capacidade de articulação e que usa a nosso favor esse ritmo acelerado do mundo, inclusive no campo tecnológico”, frisa.
Saídas possíveis
O momento é agora. Como diz Joanna Macy, o maior perigo de nossos tempos é o enfraquecimento da nossa reação. É preciso aproveitar que as pessoas estão sentindo na pele as ondas de calor, os estragos das chuvas fortes e das secas extremas para que todo mundo integre a construção de saídas possíveis.
“Acredito que temos o que precisamos para mobilizar as pessoas na direção necessária”, emenda Aline. E que direção seria essa? Já temos hoje inúmeras iniciativas no Brasil e no exterior que combatem, sim, o caos climático, reduzindo a emissão de gases de efeito estufa (GEE).
Todas as ações que apoiam a mobilidade ativa (com cidades mais adaptadas para deslocamentos a pé e de bicicleta) e minimizam o desmatamento são parte da solução – assim como projetos que caminham para uma agricultura carbono neutro e os que estimulam a compostagem nos centros urbanos, aliviando os lixões.
Reavivar o fascínio do mundo
Na visão do escritor e psicanalista Tiago Novaes, embora o campo da política seja o que tem as maiores chances de viabilizar as grandes mudanças, o despertar para esse momento histórico continua sendo individual. Foi pensando nisso – e depois de “acordar” para o tema da saúde do planeta durante a pandemia da Covid-19 – que ele escreveu o livro Baleias no Deserto: o corpo, o clima, a cura pela terra (Editora Rua do Sabão).
“Quis situar o leitor nesse momento planetário de declínio, mas falar também do fascínio do mundo, da relação de simbiose na natureza, da inteligência das espécies, equilibrando isso tudo que nos traz incertezas e posturas mais reativas, às vezes, com um encantamento pelo mundo por parte de alguém que é um curioso, e não um especialista”, conta Tiago, esperançoso.
Para ele, tão importante quanto entender o presente é conseguir brincar de pensar o futuro. “Existe uma certa escassez de horizonte. Precisamos mobilizar nossa fabulação e imaginação como uma maneira de sonharmos um futuro que não seja dizer que é mais fácil vislumbrar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”, sugere Tiago.
De suas pesquisas e viagens, o escritor destaca como bons caminhos ações que estimulam nosso senso de comunidade, seja para pressionar e competir com grandes lobbies, seja para resgatar práticas como cozinhar em grupo ou cultivar uma horta comunitária.
As cidades com mais tecnologias verdes e relações estreitadas com o campo (em nome de uma alimentação mais sustentável) também são trilhas importantes. Reposicionar a bússola é o primeiro passo. Bora fazer acontecer?
Por Giuliana Capello – revista Vida Simples
Jornalista ambiental há quase 20 anos. Já encarou momentos de descrença na humanidade, mas ainda aposta na potência do coletivo.