Há alguns dias, senti um incômodo muito chato. Uma dor que começava na parte superior dos olhos e terminava, bem fininha e aguda, perto da nuca. No primeiro momento achei que não fosse nada demais. Aquele pensamento de “logo passa”, sabe? Mas não passou. Imaginei, então, que pudesse ser algo relacionado à minha pouca visão ou a um aumento no grau da minha miopia.
Fui investigar e, depois de uma visita ao oftalmologista e a aquisição de óculos novos maiores, com uma lente especial, a dor continuava ali. Então falei outra vez com meu médico e, a partir de alguns exames mais profundos, veio o diagnóstico: nenhum problema grave. Minhas vistas só estavam cansadas.
Olhos também cansam
O excesso de tempo em frente ao computador, alternando entre poucas pausas, foi o principal motivo. Trabalho bastante, em casa, e, embora existam tantas vantagens no home office, há também um descuido meu em entrar para o quarto depois do almoço e só sair da frente das telas quando já começa a escurecer. Diante disso, a prescrição médica foi certeira: um colírio sempre que sentir os olhos meio ressecados, alguns intervalos de ar fresco entre uma tarefa e outra e, claro, descanso. Deu certo. No entanto, fiquei pensando: se até os nossos olhos se cansam de enxergar tantas coisas, imagine o nosso corpo e as nossas emoções, expostos diariamente a inúmeros estímulos, estresse e preocupações?
Correria infinita do dia a dia
Se você reparar bem, vai perceber como cada vez mais colocamos os acontecimentos em ponto de urgência. Corremos muito para dar conta de tudo e a vida vai atravessando sem nos dar tempo de parar e respirar um pouco mais devagar. Quando nos damos uma folguinha, temos a chance de realmente aliviar nossas tensões e nos preparar com mais disposição para o porvir. Só que nem sempre dá, não é mesmo?
Aponta-se um trabalho daqui, uma outra tarefa dali, um imprevisto no meio da folga, um compromisso dentro do fim de semana, uma avalanche de pensamentos intermináveis. E, quando nos damos conta, estamos com a cabeça e o corpo tão cansados a ponto de não conseguir raciocinar muito bem. Somos engolidos pela correnteza da rotina e pela obrigação de produtividade, sem abrir espaço para realmente parar e não pensar em muita coisa: só vivenciar um pouco de calmaria e, enfim, descansar.
Como escreveu Carlos Drummond de Andrade, “a vida necessita de pausas”. Pequeninas ou não, elas são importantes para nos devolver um pouco de leveza e equilíbrio. E agora, então, eu te pergunto: quando foi a última vez que você parou para descansar?
É “só” cansaço
Não, o cansaço não é pouca coisa. O descanso é imprescindível em nossa jornada, pois é uma peça fundamental para manter nosso corpo e nossa mente funcionando em harmonia. Sem ele, ficamos com a energia mais baixa, nosso sistema imunológico sofre alterações e, principalmente, entramos em uma condição de estresse elevado, experimentando constantemente emoções como a raiva, o medo e a impaciência.
O neurocirurgião Marcelo Prudente me explicou que isso que conhecemos como cansaço é, em grande parte, um efeito do chamado estresse crônico. “O estresse é o grande responsável pela produção do hormônio cortisol. E hoje sabemos que o bombardeio contínuo de cortisol no cérebro leva a uma diminuição crônica de neurotransmissores”, disse.
Em outras palavras, quando a quantidade de cortisol em nosso organismo está desregulada, ficamos mais suscetíveis à fadiga, ao cansaço, à depressão e ao risco de desenvolver doenças como diabetes e hipertensão. Isso explica muita coisa, não é? Ao acumularmos tarefas em nosso dia a dia, por exemplo, nos expomos a uma sobrecarga mental elevada, e isso ajuda a despertar o monstro do estresse e todas as suas reações.
Sequelas da COVID-19
Mas não para por aí: essa condição também está muito ligada ao que tem se chamado de “cérebro pandêmico”. Com a pandemia de COVID-19, fomos submetidos a inúmeras adversidades que, além de nos mostrar a necessidade de estabelecer novas rotinas, também interferiram em nossas emoções e na forma como lidamos com o mundo ao nosso redor. O tempo parece ter ficado diferente, as urgências cresceram e tantos dias de isolamento afetam nossa capacidade de dosar descanso e produtividade.
Aprendemos a nos cobrar ainda mais e, hoje, quando nos permitimos um pouquinho de descanso, nos sentimos culpados, como se fosse inadmissível não fazer nada por um pouco de tempo. “Fora o estresse, a descarga contínua de cortisol também diminui as conexões neurais”, pontua o Dr. Marcelo. E ele completa: “mais do que um cansaço crônico, o cérebro pandêmico é também uma situação que acarreta perda de memória e alterações de comportamento”. Sabe aquele esgotamento mental, o esquecimento de coisas triviais e o desânimo em desempenhar determinadas tarefas? Tudo está associado a essa condição e à falta de descanso.
Importância dos momentos de pausa
Mas, agora que já sabemos disso, é hora de começar a diminuir o ritmo e entender que dá, sim, para viver uma vida ainda mais produtiva se nos dedicarmos a incluir mais descanso em nosso dia a dia. Pensa só: descansados, temos a chance de aprimorar ainda mais o que fazemos, com ideias e desenvolvimentos mais fluidos. E isso, por si só, já é uma vantagem e tanto. Coisa que não acontece quando estamos exaustos, pois nesse estado não temos forças para entregar o nosso melhor em nenhuma atividade.
E um passo significativo para fazer do descanso uma rotina é compreender quais são nossas verdadeiras prioridades, lembrando que não precisamos dar conta de tudo ao mesmo tempo. “Por mais que o mundo esteja pedindo: faça, faça, faça, é importante lembrar de ser. E viver nesse cenário atual, de tanta informação e tecnologias, extraindo o bom delas”, aconselha a psicanalista Waleska Silva.
Segundo ela, o excesso de trabalho, a exposição ao imediatismo, a autocobrança e a valorização do sacrifício vão nos estressando e gerando cada vez mais angústia. Embora as tecnologias sejam tão necessárias em termos de renovação e otimização do trabalho nesse nosso mundo moderno, o mau uso delas pode reverter seu verdadeiro propósito de ajuda e transformá-las, enfim, em uma grande pedra em nosso sapato.
Seguindo o próprio ritmo
Por isso, nos voltar para nós mesmos é um excelente exercício para entender qual o nosso ritmo individual, independente do mundo externo. “Será que eu sei qual o meu ritmo e já percebi nele? Por exemplo, ao caminhar pela rua, estou andando no meu passo ou acompanhando o passo do outro?”, questiona Waleska. E finaliza: “fazer algo por terceiros em excesso nos cansa e também pesa em nosso físico e no mental”. Ao deixarmos de seguir o movimento do outro, identificamos qual é o nosso. E, então, estamos prontos para estabelecer limites de acordo com a nossa realidade, com aquilo que damos conta de executar. E tudo fica um pouco mais leve.
Tente impor limites
Daqui, estamos preparados para passar para um outro ponto: o de identificar as urgências reais e cuidar delas. Para isso, Waleska sugere que respondamos a estas perguntas: “o que pode ser colocado em espera? O que deve ser priorizado? O que meu corpo consegue fazer hoje?”. Com as respostas em mente, tiramos um pouco de pressão dos nossos fazeres e vamos traçando novos caminhos, pautados por aquilo que condiz com a nossa verdade. É tudo prática, que conseguimos realizar de forma efetiva se entendermos, com persistência, o quanto são importantes. “No meio do nosso caminho, veio uma pandemia trazendo uma ideia de finitude. E também para mostrar que precisamos priorizar, dar limites, viver uma coisa por vez”, lembra Waleska.
Será que é cansaço mesmo?
Além de tudo o que falamos até aqui, é valioso considerarmos uma outra condição, muitas vezes confundida ou interligada ao cansaço: a procrastinação. Em alguns momentos da vida, é difícil concentrar ou dar sequência em algumas tarefas porque não conseguimos focar, nem despender muito de nossa energia.
Então procrastinamos, jogando para amanhã o que se poderia fazer hoje. Mas, muitas vezes, adiamos as coisas por não conseguir lidar com elas no momento atual, e isso pode não ter nada a ver com a falta de descanso. “A procrastinação dá a ideia de uma paralisação. De um adiamento de coisas. Enquanto o cansaço está ligado ao esgotamento, à exaustão do corpo e da mente”, pontua Waleska. “A gente vai adiando, dando desculpas, como: ‘hoje não, não é um dia bom, eu faço amanhã’”, conclui.
De acordo com ela, esse sentimento nos leva a um adiamento da vida e nos coloca em uma posição de nos escondermos atrás das mentiras que contamos para nós mesmos. Acreditamos nelas a ponto de protelar conversas importantes, enrolamos para finalizar trabalhos indispensáveis e deixamos para depois até a vivência de novas relações. Tudo por medo ou para não ter o trabalho de lidar com as adversidades. “Seria importante a gente pensar, em relação à procrastinação, como e por que ela existe dentro de cada um de nós. Mas sem se julgar, sem se criticar”, sugere Waleska.
Pequenos descansos são fundamentais
Quanto mais nos conhecemos e nos dedicamos atenção, mais chance temos de encontrar as nossas respostas. Inclusive, a Waleska diz que o descanso nos permite essa virada de chave, quase uma abertura de portas para mudar a perspectiva e direcionar como lidamos com nossas emoções. Na opinião dela, para vivenciar esse tempo de descanso, é preciso se lembrar de estar presente. “Acredito que existam minutos de descanso. Ao terminar uma tarefa, por exemplo, você pode ficar ali, parado por poucos minutos, mas estando presente.”
Para ela, mais do que longas pausas de uma só vez, também é importante incluir pequenos momentos de descanso frequentes durante a vida. “A velocidade diminui. E, fisiologicamente, dentro de nós, algo acontece. Nosso corpo começa a trabalhar em outro ritmo. O nosso ritmo”, completa.
O corpo fala
Ao clarear essas brechas de autoconhecimento, abrimos também mais espaço para compreender como nossa mente funciona, como reagimos diante do estresse e das angústias, como o nosso corpo e nossas emoções se comportam. A Dra. Vanessa Cesnik é fundadora do método O Corpo Explica e também é a psicóloga responsável pela criação da Análise Corporal. E explica que, a todo tempo, nosso corpo envia sinais para mostrar que algo não vai bem. Ela deu alguns exemplos desses principais sinais: “desânimo para fazer aquilo de que se gosta ou para fazer atividades que estão em direção aos sonhos, dores no corpo e ganho excessivo de peso”.
Para conhecer o próprio corpo, seu funcionamento e, assim, encontrar maneiras e ambientes adequados para cada um de nós descansar e executar suas atividades em paz, Vanessa sugere prestar atenção em nós. “O formato do corpo de uma pessoa explica que tipo de mente ela tem e revela as verdades por trás de qualquer problema que ela esteja enfrentando. A análise corporal vai facilitar muito sua vida para conseguir produzir quando se deve produzir e descansar quando se deve descansar”, certifica a Dra. Vanessa.
Descanse e procure se observar
E, se você chegou até aqui, procurando por respostas e soluções para, enfim, descansar melhor, eu digo que não há uma fórmula pronta. Mas te convido a fazer alguns exercícios simples: na hora de dormir, desligue o telefone ou coloque em modo silencioso, para realmente se desconectar um pouco e se concentrar em seu sono. Filtre o que é realmente urgente e aprenda a dizer não (não é fácil, eu sei. Mas com um pouco de prática, a gente consegue).
Quando estiver de férias, aproveite o momento em família, com amigos ou em solidão, desligando-se do que traz preocupação. Isso inclui telefonemas, e-mails, redes sociais. Por fim, respire mais devagar, tome um cafezinho mais demorado, faça yoga, medite, durma mais cedo, dê pequenas pausas ao longo dos dias.
Não é certo que vá funcionar. Mas ao nos observar e permitir experimentar novas possibilidades, temos mais chances de encontrar um novo caminho. Porque, afinal, o descanso é necessário para seguirmos bem pela vida. No fim das contas, é isso o que mais importa. Então vem comigo descansar os olhos e o coração?
Por Débora Gomes – revista Vida Simples
É jornalista e tem descoberto, aos pouquinhos, a importância de desacelerar e ter mais tempo para observar horizontes.