A discriminação pode causar esse tipo de violência e, até mesmo, inibir a busca por ajuda
O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ é comemorado mundialmente no dia 28 de junho. A data celebra a diversidade, mas também a luta por direitos e o combate à violência. Mulheres lésbicas, bissexuais e trans (LBT), por exemplo, não estão isentas de serem vítimas de violência doméstica.
Fabíola Sucasas Negrão Covas, promotora de justiça assessora do Núcleo de Inclusão Social do Ministério Público do Estado de São Paulo, explica que, no casso dessas mulheres, a discriminação pode piorar ou intensificar a forma como a violência é praticada.
“A violência de gênero é uma violência democrática e atinge todas as mulheres. Porém, nós não podemos colocar todas as mulheres na mesma forma como essa violência é praticada, ou que elas estejam isentas de outros preconceitos”, revela.
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Violência doméstica no ambiente familiar
No âmbito familiar, a violência doméstica pode se desenvolver por diversos fatores, inclusive, por intolerância à orientação sexual ou à identidade de gênero daquela mulher.
“As violências domésticas contra lésbicas, mulheres bis e trans possuem especificidades que precisam ser identificadas. Podem estar ligadas à discriminação, ao sentimento interno de não aceitação da relação enquanto um modo de vida saudável, mas também podem ser relações abusivas e de poder”, acrescenta Gean Gonçalves, jornalista e cientista da comunicação voltado aos estudos de gênero, sexualidade e direitos LGBT.
O que é a violência doméstica?
A violência doméstica e familiar, em grande parte dos casos, é cometida pelo marido, amante, ex ou namorado, motivado pelo sentimento de superioridade e posse sobre a vida da mulher. Porém, isso não se restringe apenas às relações amorosas ou que envolvam homens, o agressor pode ser pai/mãe, irmão/irmã, padrasto/ madrasta, sogro/a, cunhado/a ou agregados.
Um relacionamento abusivo também pode ser identificado por meio da análise de um ciclo, o chamado “Ciclo da Violência”, identificado pela psicóloga norte-americana Leonor Walker. São elas:
- Fase da tensão: nesse primeiro momento o agressor se mostra irritado. Faz o uso de xingamentos, maus tratos, tem ciúmes excessivo. A mulher, por sua vez, tenta acalmá-lo e evita qualquer conduta que possa porventura provocá-lo.
- Fase da agressão: aqui a falta de controle do agressor chega ao limite e leva-o ao ato violento. Empurra, faz ameaças, bate, machuca, cospe no rosto da vítima, puxa-lhe o cabelo. A mulher se sente paralisada e sem reação.
- Fase da reconciliação: nessa fase o agressor se mostra arrependido e amável para conseguir uma reconciliação.
E por um período a mulher se sente feliz porque enxerga as mudanças de atitude do companheiro. Ao longo das três fases, ela passa por um misto de medo, confusão, culpa e ilusão. Porém, o agressor não muda e a tensão sempre volta, o ciclo se fecha e se repete, só que dessa vez, o espaço entre uma e outra fase fica cada vez menor e a violência aumenta.
A violência quase ‘invisível’
Assim como ocorre com as mulheres cisgêneros em relacionamentos heterossexuais, é no ambiente doméstico que acontece boa parte das violências e mortes contra essa parcela da população. Mesmo que o companheiro não seja homem, não inibe a reprodução de uma dominação, de relações abusivas, de violência psicológica e sexual.
Nesse caso, as mulheres também sentem dificuldade de se enxergarem em um ambiente violento pelo fato da violência doméstica ser banalizada e naturalizada na sociedade. “Quando o casal é LGBT ou conta com uma pessoa LGBT, parece que esse tipo de violência não existe já que, comumente, é entre um homem cisgênero e uma mulher cisgênero”, relata Gean Gonçalves.
Ainda segundo o pesquisador, a intolerância e a invisibilidade que permeiam essas relações que fogem do “padrão”, prejudica que essas mulheres saiam delas quando violentas e procurem por ajuda. “O preconceito se expressa no atendimento especializado, na delegacia, mas também está na compreensão que esse tipo de violência também ocorre com mulheres LBT e com homens gays”, conclui o cientista da comunicação.
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Impactos da intolerância
Além da dificuldade e da negação de acesso à justiça, educação, saúde e outros direitos, a intolerância também faz com que mulheres lésbicas, bissexuais e trans não se sintam merecedoras de direitos que são previstos em lei ou nem saibam da existência delas. Por isso, muitas delas não sabem que são abrigadas pela Lei Maria da Penha.
Logo, quando uma mulher tem uma quantidade muito grande de empecilhos – que incluem discriminações – para conseguir sair de um relacionamento abusivo e procurar por ajuda, isso contribui para que se agrave a violência com o passar dos dias e possa, assim, chegar ao desfecho fatal que é o feminicídio (morte de mulheres em decorrência da violência de gênero, discriminação e desigualdade).
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O que diz a Legislação?
De acordo com dados do serviço do Governo Federal que auxilia as mulheres vítimas de violência, a Central de Atendimento à Mulher, Ligue 180, em 2016, do total de 1.133.345 atendimentos realizados, apenas 0,30% das chamadas eram referentes a relacionamentos homoafetivos.
A Lei 11.340/2006 coloca que toda mulher, independentemente da sua orientação sexual, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e lhe deve ser assegurado oportunidades e facilidades para viver sem violência.
A legislação garante proteção às mulheres lésbicas, trans e bissexuais de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
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Lei Maria da Penha
Quanto à identidade de gênero, muitas mulheres trans têm dúvidas se podem recorrer à Lei Maria da Penha ou não. Segundo a promotora Fabíola Sucasas Negrão Covas, a Lei também pode ser e é aplicada a todas que se identificam com o gênero feminino.
“Ela [a Lei] coloca a palavra ‘gênero’, mas não coloca ‘identidade de gênero’. O gênero da pessoa que se reconhece como mulher ou se identifica como mulher, é mulher. Portanto, tem a aplicabilidade da Lei Maria da Penha”, destaca.
Violência contra a mulher: denuncie. Ligue 180.
Texto originalmente publicado no livro ‘Feminicídio: Mortes Anunciadas’, elaborado para o TCC em Jornalismo da PUC-SP, no ano de 2018.
(DINIZ, Laleska. Feminicídio: Mortes Anunciadas. São Paulo. 1ª edição: novembro 2018)
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