Quando meu filho tinha uns 5, 6 aninhos, eu e o pai dele o levamos a um parque aquático. Logo na entrada, havia um escorregador colorido no qual todo mundo deslizava sentado ou deitado em boias grandes, pretas. A descida não era longa nem muito íngreme, e, no final, desembocava em uma piscina redonda, não muito funda. O vaivém de gente sorrindo, escorregando mais de uma vez, escancarava a diversão. Meu filho, excitado, quis ir.
Subimos, então, a escada do brinquedo, com a boia nas costas. Era preciso sentar na beiradinha do escorregador e deixar a gravidade e a água corrente fazerem o resto, num pequeno impulso. Mas exatamente aí, nesse ponto, um conflito entre razão e emoção surgia, intruso na brincadeira.
Por mais que fosse nítida a ausência de risco para nós, por mais que apontássemos as muitas crianças, algumas da idade dele ou até menores, escorregando e se divertindo, e que repetíssemos que iríamos juntos na mesma boia, meu menino não conseguia avançar. A emoção do medo, em nome da autopreservação, crescia e se sobrepunha à ideia de escorregar.
Lembro que foram muitas as vezes que descemos e subimos a escada, no tempo dele, carregando a boia, em diversas conversas na tentativa de fazer com que a vontade de brincar vencesse o medo. Sem saber reconhecer e lidar com aquele turbilhão, ele insistia, estancava e chorava, frustradíssimo.
Se congelássemos esse momento e fotografássemos o cérebro infantil no impasse de escorregar ou não, veríamos o enlace de duas regiões cerebrais: o sistema límbico, responsável pelas emoções, que nos orienta a ações imediatas frente a situações decisivas, e o neocórtex, a área da reflexão e do pensamento. Os dois embolados em um nó difícil de desatar para uma criança de 5 anos, ainda inábil na tarefa de equilibrar os sentimentos e ponderar reações.
Cadê a razão?
Essa história serve para mostrar que, como explica Daniel Goleman, psicólogo e escritor, autor do best-seller Inteligência Emocional (Objetiva), quanto mais intenso é o sentimento, mais dominante é a mente emocional sobre a racional. Uma disposição que, segundo ele, parece ter tido origem há bilhões de anos, quando não fazia muito sentido parar para pensar frente à ameaça de um animal da megafauna.
Acontece que hoje vivemos circunstâncias diferentes, mais complexas, numa sociedade pós-moderna, como dar ou ouvir um feedback difícil, romper uma relação de amor, negociar uma sociedade ou mesmo levar uma fechada brusca no trânsito.
Não dá mais para responder a elas da mesma forma que nossos ancestrais reagiam a problemas do período Pleistoceno, embora nosso repertório de emoções primárias (medo, tristeza, felicidade, raiva, nojo e surpresa) continue exatamente o mesmo. Em suma, agir só no calor do momento, sem pensar, é um baita tiro no pé!
O que são as emoções?
As emoções são respostas inconscientes a estímulos externos ou a registros de memória, fundamentais à nossa tomada de decisão para agirmos em direção ao que desejamos e nos parece mais favorável em determinada situação.
São respostas que vêm acompanhadas de manifestações fisiológicas, como o aumento do batimento cardíaco, sudorese ou respiração acelerada. Ser emocionalmente inteligente significa justamente saber organizá-las, nos tornar mais conscientes e reflexivos a respeito delas a fim de coordenar melhor nosso comportamento frente aos desafios da vida.
“Quando nos comparamos a outras espécies, esse letramento é algo exclusivo do ser humano. É um processo que passa necessariamente por reconhecer e nomear as emoções. Quando eu consigo validar e dar nome ao que sinto, transformo a emoção em sentimento, ou seja, trago à consciência as sensações que experimento na mente e no corpo. Isso é essencial, é a base da inteligência emocional, pois, uma vez alerta sobre as emoções, eu saberei que o melhor jeito de lidar com a frustração não será o mesmo para a raiva, por exemplo”, diz Ana Carolina Souza, neurocientista, professora da Casa do Saber e sócia-fundadora da Nêmesis, empresa especializada em neurociência comportamental para o mercado.
Nem certo, nem errado
Parece óbvio, mas não é. Quem de nós já não reagiu de forma desproporcional ou equivocada frente a situações do dia a dia, e se arrependeu depois? “Por isso, o autoconhecimento é tão importante. Quando eu reconheço em mim e em meu corpo a emoção que sinto, eu posso me afastar, respirar fundo, pedir um tempo, antes que ela fique intensa demais, sequestre meu racional e me leve a ter atitudes impulsivas”, frisa Carolina. “Tomar distância é sempre uma boa estratégia, porque as emoções duram pouquíssimo tempo, logo se arrefecem”.
Mas a verdade é que nem todo mundo consegue contar até dez e pensar. Isso porque a maneira como respondemos ao sentir reflete aprendizados que recebemos ao longo da vida, sobretudo na infância, na relação com pais, professores ou cuidadores. Lidar com as emoções é uma habilidade construída, por isso crianças são inaptas e precisam de ajuda.
“Na primeira infância o manejo emocional depende do que os pequenos enxergam nos pais, eles os imitam. Assim, tão importante quanto ensinar as crianças a reconhecer e dar nome às emoções, é dizer que não há emoção boa ou ruim, certa ou errada, uma vez que não temos controle sobre os sentimentos e sua intensidade, e sim sobre como reagimos a eles. É muito importante validar as emoções, na infância e em qualquer momento da nossa vida. O bom é que nunca é tarde para isso”, incentiva Karen Vogel, psicóloga e professora da The School of Life.
Reconhecer e validar as emoções
Falar mais, observar-se, escrever e refletir sobre as emoções, sem tanto juízo de valor, é o caminho. Ao reconhecermos e validarmos a vastidão do nosso campo emocional, também conseguimos apreendê-lo no outro, no processo da empatia – pilar das relações mais verdadeiras, saudáveis e duradouras, em casa, no trabalho e em todos os ambientes. Ali, na beiradinha do escorregador, eu definitivamente sabia o que meu filho estava sentindo.
Reconhecia o impasse que paira a tomada de decisões. Mas que difícil foi administrar a minha própria emoção ao vê-lo aflito e explicar o que estava acontecendo! Entre tantas idas e vindas na escada do brinquedo, em meio ao choro, conseguimos validar o medo e a frustração, dizer que era normal senti-los e que, se ele quisesse, poderíamos tentar escorregar numa outra hora. Mas, em sua persistência de segurar a oportunidade, e com um encorajamento extra, escorregamos. A partir daí, outro tipo de emoção tomou conta dele: a alegria de superar o medo e de poder brincar livremente. Que maravilha!
Por Vanessa Costa – revista Vida Simples
Jornalista em letramento sobre inteligência emocional e mãe do Samuel, hoje um rapaz de 16 anos, um pouco mais apto aos tobogãs das emoções.