Era ainda primavera quando, no recreio da escola, um menino me derrubou no chão. Éramos crianças, tínhamos lá nossos 6, 7 anos e, embora as brincadeiras sejam tão comuns nessa idade, ele acabou confessando ter feito aquilo de propósito. Para evitar a suspensão, a diretora determinou que ele fizesse algo bem simples: precisava me pedir desculpas. Coisa que nunca aconteceu.
A cicatriz do tombo permanece no meu joelho até hoje, juntamente a essa lembrança do meu primeiro aprendizado sobre a importância do perdão. Nunca mais vi aquele garoto, que acabou mudando de escola depois do ocorrido.
Redimir-se é ato de força e responsabilidade
Ao contrário do que muita gente pensa, pedir desculpas não é sinônimo de fraqueza ou submissão. É, na verdade, um gesto de muita coragem e humildade, que envolve também sinceridade e honestidade. Só conseguimos pedir perdão de verdade quando reconhecemos as nossas falhas e tomamos consciência da mágoa ou da dor que causamos ao outro.
E isso, definitivamente, tem mais a ver com responsabilidade e respeito do que com vergonha ou afronta. “Reconhecer a necessidade de pedir desculpas envolve ser consciente de suas ações, considerar os sentimentos das outras pessoas e avaliar o impacto de suas palavras ou comportamentos”, pontua a psicanalista Waleska Silva.
Acontece que nem sempre estamos preparados para isso. Pedir desculpas genuínas pode ser difícil e, mais ainda, é um desafio e tanto adquirir confiança para perdoar, acreditando que a ação do outro que nos magoou não vai mais se repetir. Mais do que aprender a desculpar com todo o nosso coração, vale saber que pedir desculpas precisa passar pela fase da reflexão, do arrependimento e da consciência para, só então, ser de verdade.
Sinto muito, de verdade
A Waleska explica que reconhecemos a real necessidade de pedir desculpas quando prestamos atenção a nossas ações e palavras, percebendo o impacto que ambas causam no outro. É sobre pensar no que fizemos e compreender que cada um sente ou recebe a mesma atitude de formas diferentes. “Se o que você fez ou disse tiver causado dano, mágoa, desconforto ou incômodo a outra pessoa, é sinal de que você precisa se desculpar”, observa.
Só percebemos isso se estivermos dispostos a dialogar, se nos colocarmos no lugar do outro, sempre nos perguntando: eu gostaria que fizessem aquilo comigo? Como eu reagiria? “Tente entender como a outra pessoa pode estar se sentindo em relação ao que aconteceu. Mesmo que suas intenções tenham sido boas, é importante reconhecer que o impacto das ações nem sempre corresponde às intenções”, completa Waleska. Conversar também é sempre uma opção valiosa.
A desculpa deve ser genuína
Cientes disso, entendemos ainda mais sobre a importância de nos desculpar de forma genuína e espontânea, sem parecer descaso ou obrigação. Algumas pessoas estão tão acostumadas a pedir desculpas por qualquer coisa, e isso acaba soando como falsidade ou como um recurso para fugir de algum assunto ou colocar panos quentes nas situações, como dizem por aí. A Adriana Oliveira é escritora, terapeuta integrativa e acolhedora em processos de luto. Para ela, “uma desculpa só é sincera se for acompanhada por atitudes para rever o erro”.
Ou seja: eu errei, refleti, me desculpei e sigo me policiando para não repetir aquela ação ou cometer algo parecido. “Temos o hábito de culpar as eventualidades, até mesmo outras pessoas, pelas nossas ações, mas necessitamos ter autorresponsabilidade. Ter a oportunidade de admitir o erro é um passo dado para o crescimento pessoal”, conclui Adriana.
Muitas vezes, temos dificuldade em pedir desculpas justamente por isso: é um movimento que nos convida a expor as nossas fragilidades e vulnerabilidades. E nem sempre estamos preparados para isso. O medo de sermos julgados ou rejeitados nos faz hesitar na hora de reconhecer as nossas falhas.
Para isso, a dica da Waleska é lembrar que essa dificuldade não diminui quem somos. “Cada um de nós é um ser em constante evolução, aprendendo a equilibrar nossa humanidade com nossos anseios por perfeição”, observa. E diz, ainda: “pedir desculpas é um ato de amor-próprio e crescimento. É uma maneira de curar feridas, fortalecer laços e criar espaço para um entendimento mais profundo e sadio”.
Aprendendo a perdoar
Aprender a perdoar também diz muito sobre nós e sobre a forma como lidamos com nossas emoções e relações. A Waleska explica que oferecer nosso perdão não beneficia apenas o outro, mas também a nós mesmos, nossa saúde mental e emocional.
“Ao perdoar, você libera o peso das emoções associado a ressentimentos e mágoas passadas. Isso cria espaço para a cura emocional, tanto para quem perdoa quanto para quem é perdoado”, pontua a psicanalista. Com isso, abrimos caminho para uma comunicação mais aberta e construtiva.
Sabemos que perdoar com o coração não é fácil, exige confiança e tempo, além de gerar em nós algumas inseguranças e trazer à tona antigos traumas. É importante entender que desculpar não significa esquecer ou aceitar as ações que nos prejudicaram. Mas pode ser uma forma de seguirmos em frente, aprendendo com o que passou e abrindo espaço para novas vivências.
“O perdão é um processo pessoal e individual que envolve lidar com emoções complexas. Algumas situações podem ser mais desafiadoras que outras, podemos levar tempo e esforço para alcançar um estado de perdão genuíno”, explica Waleska.
Aceitar desculpas não significa retomar o vínculo
Perdoar uma traição não significa que aceitaremos aquela pessoa outra vez em nossa vida. Mas nos ajuda a ir adiante, em paz pelo nosso caminho, em busca de novas histórias e redescobertas. “Estamos sempre olhando para o outro, e o foco, na verdade, está em nós. O amor sempre será a resposta para o perdão, e o alívio em perdoar faz você se sentir livre”, observa Adriana.
Muitas vezes nos sentimos bobos perdoando, achamos que estamos perdendo algo e, então, a culpa, o arrependimento e o ressentimento costumam surgir propondo um desvio para nossa capacidade de perdão.
“Isso tem tudo a ver com o ego. Sabemos que ele vai apresentar sentimentos de humilhação e desrespeito, porque, para o ego, perdoar é ser fraco”, completa. Não há fraqueza nenhuma nisso. Pelo contrário: perdoar, sem ferir nossos limites e sem nos perder de nossa essência, é um gesto grandioso de coragem e amor-próprio.
“Perdoar a si mesmo e aos outros é libertador. O perdão não faz com que nos esqueçamos de tudo, mas ele nos ajuda a soltar o desconforto emocional que fica remoendo ao voltar no que aconteceu”, completa Waleska.
Mas… E se o perdão não vem?
Pode acontecer, né? Às vezes, a outra pessoa está tão magoada a ponto de não reconhecer nem aceitar o nosso arrependimento. Nesse caso, vale entender se fizemos tudo o que estava ao nosso alcance: fomos realmente honestos em nosso pedido de desculpa? Nos arrependemos mesmo ou só nos desculpamos para colocar uma pedra por cima de tudo? Quando temos consciência da mágoa que causamos e nos arrependemos verdadeiramente, com o tempo, as coisas tendem a se ajeitar.
E, logo, a outra pessoa também se sentirá segura para aceitar nossas desculpas. Isso vale também quando somos nós que precisamos oferecer o nosso perdão. Leva tempo, exige paciência e traz muitos aprendizados para nós.
“Se o outro não aceitar suas desculpas imediatamente, dê-lhe espaço e tempo para processar a situação. Cada pessoa tem o direito de digerir suas emoções e decidir como reagir”, conclui, com sabedoria, Waleska.
Todos podemos errar
Para alguns, conceder o perdão é algo mais demorado e, a nós, cabe respeitar a resposta do outro, mesmo que ela não seja exatamente aquela que esperávamos. Porém, Waleska aconselha: “se você acredita que a situação é particularmente desafiadora ou se o relacionamento está sendo afetado negativamente, buscar aconselhamento ou terapia pode ser útil para ajudar a passar por essa situação de maneira saudável e construtiva”, completa.
A verdade é que todos nós estamos suscetíveis a erros. Afinal, somos humanos e isso nos faz imperfeitos. Por isso, o diálogo, a comunicação, a honestidade e a humildade em reconhecer nossas falhas são tão necessários para um pedido autêntico de desculpas. Ele é o que mais vale para a construção de relações saudáveis e transparentes.
Então, agora que você já leu este texto até aqui, que tal convidar para um café aquela pessoa para quem você acha que deve alguma desculpa ou que te magoou de algum jeito? É a chance de sermos mais honestos conosco mesmos e seguir com menos peso pelas estradas tortas da vida.
Por Débora Gomes – revista Vida Simples
É jornalista e aprendeu que mais importante que perdoar o outro é perdoar a si.