Tum-tum, tum-tum. No silêncio uterino, eclode esse batuque insistente. Um coração milimétrico pulsa ali dentro. E, se o milagre permitir, continuará nessa toada por anos a fio. Nem bem surgimos e já somos música, melodia divina. Crescemos e nos mantemos suscetíveis aos mais variados sons. Entre eles, os que cavam em nós fendas para a cura física, emocional e espiritual.
Saindo do nosso pequeno corpo e migrando para o macrocosmo, nos deparamos com a crença hindu, segundo a qual, antes da criação da matéria, havia um som primordial: OM. Ele teria originado todos os ruídos, os balbucios e as cantorias da natureza em sua fartura de vida. Por isso, essa sílaba em sânscrito é considerada sagrada, uma vez que contém tudo o que há, para além do tempo cronológico.
A influência dos sons no cotidiano
Não precisamos ir muito longe para sentir quão profunda é a relação entre o ser humano e os sons. Imagine que você está absorto em seu trabalho ou caminhando distraidamente pela rua quando, de repente, o badalo do sino de uma igreja o faz estremecer, até se emocionar; ou a ventania acorda o sino de bambu do vizinho e, num relance, você é transportado para um templo budista. Que paz!
Do ponto de vista mecânico, não há mistério. Somos penetrados pelas vibrações sonoras que atravessam não só os ouvidos, afetando o cérebro, como também nossa pele. Do lado de dentro, elas circulam por músculos e órgãos, propagando-se por nossas entranhas com o auxílio da água que nos constitui.
O som é um recurso potente e transformador, tanto que vem sendo utilizado pela medicina integrativa como ferramenta terapêutica no tratamento de distúrbios e doenças, como fibromialgia, dores crônicas, constipação intestinal, insônia, ansiedade e estresse, além do Mal de Parkinson e da esclerose múltipla. Nesses casos, o som vai banhando os pacientes como um bálsamo capaz de liberar tensões musculares e nós emocionais.
Comprovação científica
A ciência já provou, por exemplo, que frequências de 20 a 50 hertz ressoam em tecidos moles, intestinos, estômago. Já a faixa de 80 hertz reverbera principalmente em ossos, crânio e cabeça. O som também pode elevar nosso espírito, nos ligando a uma realidade superior, como tem feito desde os primórdios da humanidade. Sim, seu espectro beira o infinito.
As tigelas de cristal, por exemplo, liberam um som celestial. Justamente por isso, começaram a ser utilizadas na década de 1980, na Califórnia, por pessoas em busca de harmonia e bem-estar. Dificilmente passamos incólumes por elas, que nos auxiliam a aquietar a mente e a sossegar o íntimo.
“O ouvido mental se arrefece devido a uma ‘calibração’ do sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático), que tende a entrar em equilíbrio. Com isso, as ondas cerebrais passam de Beta para Alfa. Muitas pessoas também relatam sentir um dissolvimento de bloqueios emocionais, o que gera sensação de alívio. E, não raro, o relaxamento profundo faz com que elas durmam”, afirma Luiz Pontes, que há 15 anos ministra vivências, concertos e cursos de Sound Healing ao lado de sua companheira Rita.
Benefícios da técnica
É possível se beneficiar da técnica tanto tocando quanto escutando o som emanado das tigelas de cristal, que são fáceis de tocar, segundo Pontes. “Elas ressoam uma única nota musical, que é mantida enquanto se gira o bastão ao redor da parede externa. Qualquer pessoa, mesmo sem treinamento musical, consegue aprender em menos de cinco minutos”, ele assegura.
O único senão é não exceder o volume, especialmente nos agudos, pois isso pode gerar irritação, por exemplo. “Aconselhamos a entrega para o som com uma postura atenta e receptiva. Uma mente barulhenta demais pode se opor aos benefícios dele”, ressalta Pontes.
A cultura hindu sabe bem disso. De tal maneira que, nesta tradição, os mantras – sílabas em sânscrito – ocupam um lugar respeitadíssimo. “Quando a gente recita um mantra repetidamente, chega a um estado de concentração que protege a mente das distrações”, explica Madhuri, professora de yoga, terapeuta ayurveda, cantora e compositora. Além disso, esses fonemas, segundo os hindus, contêm energias promotoras de elevação espiritual e de conexão com o divino, bem como de purificação tanto do corpo físico quanto do mental.
O poder dos mantras
Os mantras também carregam o aspecto da devoção. Quem entoa “Jaya Ganesha”, por exemplo, está reverenciando a divindade da sabedoria, associada à remoção dos obstáculos. Mas essas âncoras de foco também podem integrar o cotidiano de qualquer pessoa como uma prática de centramento desvinculada da religiosidade. Inclusive, não é preciso saber o significado das sílabas para que elas atuem no sistema psicofísico.
“Estudos mostram que meditadores que se aquietam focando um mantra apresentam mudanças no metabolismo, redução dos níveis de estresse, aumento da imunidade e maior produção dos hormônios do bem-estar”, lista Madhuri, que, em sua prática pessoal, sente aflorar criatividade, amorosidade e esperança.
É importante que haja constância
No entanto, sem constância, fica difícil refinar a percepção. “Quanto mais se pratica, mais será possível alcançar estados interessantes de consciência, sobretudo se paralelamente houver um trabalho de autoconhecimento”, destaca a terapeuta. Ela ainda lembra que os mantras podem ser acompanhados por melodias e instrumentos musicais, os chamados kirtan ou bhajan.
Ao lado de seu companheiro, Guitom, músico e psicólogo, ela promove semanalmente, desde 2017, em São Paulo, essas práticas musicadas abertas ao público, fontes de alegria, introspecção, gratidão, amor incondicional e por aí vai.
O tambor xamânico: uma viagem ao fundo do ser
Agora, se você estiver à procura de um guia para a meditação e o conhecimento profundo de si que englobe a dimensão onírica, recorra ao tambor xamânico, utilizado há milhares de anos. Provavelmente porque reproduz fielmente o pulso da vida – tum-tum, tum-tum – e nos religa à origem de tudo.
“Ele nos traz para uma energia de constância e desaceleração que nos falta hoje em dia. Assim, a gente consegue colocar o nosso coração num ritmo mais compatível com o tempo necessário para raciocinar melhor, para dar respostas emocionais mais sábias, para ler e ouvir o corpo, para perceber como estamos e quem somos”, formula Monica Jurado, idealizadora do Tambores Flow, projeto que, desde 2013, promove círculos meditativos calcados em saberes ancestrais.
Ela segue a linhagem matricial de tambor xamânico: isso significa que os únicos alteradores de consciência são o próprio tambor, cantos e demais instrumentos. Esses recursos se somam para que o praticante acesse uma cadência mental que, de tão lenta, se aproxima das frequências dos sonhos.
“Nesse estágio, consolidamos aprendizados, fixamos a memória, temos acesso a territórios internos que, às vezes, só se revelam ali, pois vivemos realidades mais densas”, ela explica. Entretanto, a ideia não é dormir durante a prática, mas, sim, ter sonhos lúcidos, ou seja, imagens do inconsciente visitam os praticantes enquanto o batuque do tambor sustenta o estado de consciência amplificado sem que o sono sequestre a consciência.
Por isso, indica-se que se coloque uma intenção antes de iniciar o mergulho. O que eu quero descobrir sobre mim que ainda não sei? Onde estiver, essa invenção ancestral tocará sem rodeios qualquer pessoa, driblando a racionalidade e abrindo os veios da intuição.
O caminho do coração: sonoridades elevadas e cura
Investigação semelhante inspira o trabalho de duas terapeutas, Mariana Nahas e Camila Moura, criadoras do Caminho do Coração. Elas se uniram aos músicos Matias da Via e Bogdan Djukic, integrantes do Awarë (Ancient Wisdom Availing Resonant Equilibrium), a fim de que as pessoas despertem estados sutis do Ser, alinhados aos anseios que brotam do peito. “O coração é o portal que nos permite acessar esse campo de consciência. É pelo sentir que a cura e os milagres acontecem”, acreditam.
Experiências únicas de reprogramação
Por meio de exercícios respiratórios e meditativos, elas preparam energeticamente os participantes de seus workshops a se abrirem para não só receberem a sonoridade elevada do Awarë, como também para potencializá-la. “Disso advém uma experiência única de reprogramação física-mental-espiritual”, afirmam as terapeutas.
As composições de Matias e Bogdan são intuitivas e improvisadas. O primeiro compartilha sua voz, expressão do potencial de cura que emerge do centro do seu Ser. Suas vocalizações servem como um guia de viagem, que estimula a introspecção profunda, ajudando cada um a encontrar em si a musicalidade da alma. Já o segundo mistura o violino a sons eletrônicos e percussões folclóricas que remetem às notas ancestrais da linguagem universal, de onde nascem as memórias do subconsciente que falam ao interior de cada ouvinte. Há quem chore, pule, dance, sorria e se dissolva no colo do Mistério.
Por Raphaella de Campos Mello – Revista Vida Simples
É jornalista, gamada pelos sons das águas que a fazem serenar – especialmente, chuva, riacho e mar.