Ao longo da vida profissional, já flutuei entre diversas faixas salariais, indo e voltando das mais baixas até as de patamares muito privilegiados em um país de profunda desigualdade social como é o nosso. Um ponto em comum ao longo dessa trajetória é que foram poucas as fases em que não tive dívidas. Querer ter ou estar em determinado lugar sem planejamento me levou a uma volta em uma montanha-russa por demais vertiginosa.
De viagens internacionais ao acúmulo de aluguéis de moradia atrasados; de comida em extravagância num dia para o medo de não ter o que colocar na mesa no outro. Tudo isso já vivi e confesso: o estrago emocional é dos grandes.
Educação financeira: uma mudança de perspectiva
Em termos práticos, essa (falta de) consciência só mudou mesmo há relativamente pouco tempo, depois que uma nova e forte amizade com um consultor financeiro me possibilitou travar contato com um tema que me era realmente escabroso: a educação financeira. Não que tenha acontecido de uma hora para a outra, mas podemos dizer que quase isso.
Certo dia, consciente dos meus percalços, ele me convidou para aprender a fazer meu fluxo de caixa pessoal. Garantia, e estava certo, de que aquilo mudaria minha vida e a percepção que tinha sobre o dinheiro e a manutenção dele.
Paralelamente, uma amiga querida e próspera começou a ministrar um curso de educação financeira e, logo de cara, pensei como a falta desse processo educacional específico tinha atrasado meu caminhar e, certamente, o de milhares de pessoas.
Os benefícios da educação financeira
São inúmeros os benefícios da educação financeira para uma vida mais saudável. Amanda Dias, educadora financeira e criadora do programa de emancipação econômica Grana Preta, conta que já existem estudos que associam o estresse financeiro como uma das principais causas de insônia, pressão alta e outras consequências associadas às dívidas. Justamente por isso, como diz, “estar com a vida financeira organizada é crucial para a saúde física e mental, é determinante para o bem-estar e autoestima das pessoas”.
Nathália Rodrigues, mais conhecida como Nath Finanças, amplia a ideia ao dizer que a educação financeira, mais do que ensinar a gente a se relacionar com o dinheiro, faz isso de forma com que cada um aprenda a avançar em suas metas sem se endividar. “Ela entra como meio de libertação, um meio de olhar, saber priorizar, respirar fundo e não se afetar por coisas que acabam impactando a maioria de forma pesada quando estão relacionadas a dinheiro”.
Planejamento sem barreiras
Há quem considere que a educação financeira é assunto para aqueles que já têm um poder aquisitivo mais alto e que ela estaria desencontrada da “vida real” de quem ganha pouco. Contudo, esse pensamento é errado, já que essa educação pode e deve estar presente na vida de todos, independentemente de qual seja a renda mensal.
Nath Finanças destaca que não interessa quanto uma pessoa ganha – seja R$ 1 mil, R$ 5 mil, R$ 10 mil ou R$ 20 mil –, pois, se ela não souber se organizar financeiramente, continuará endividada. Em sua opinião, o planejamento é necessário para entender sobre o consumo e sobre questões internas que nos afetam, especialmente se não tivemos muito acesso a recursos quando pequenos e, uma vez adultos, queremos realizar tudo de uma vez.
A planejadora financeira Lueny Santos, do Papo de Valor, aponta que existem quatro equívocos principais que muitos de nós cometemos antes de nos permitir vivenciar o planejamento financeiro. O primeiro, como já mencionado anteriormente, é acreditar que ele é exclusivo para
quem tem muito dinheiro.
Equívocos sobre educação financeira
“Quando a gente conversa com nossos clientes, muitos relatam que viviam com 1/4 do que têm hoje e não conseguiram melhorar a relação com o dinheiro. Achavam que quando ganhassem determinado valor é que conseguiriam guardar, realizar tudo o que queriam, mas isso não aconteceu. Justamente porque, quando a gente vai aumentando a renda, geralmente aumentamos os gastos também. Isso é fruto de não ter consciência das coisas que são importantes e nem ter uma boa relação com o dinheiro, ou se basear em frases do tipo ‘eu mereço’, ‘agora posso fazer tudo o que sempre quis’”, relata Lueny.
Como resultado, explica ela, assumimos uma postura robótica de ganhar e gastar, sem saber se aquilo faz sentido. E, vivendo em uma sociedade superimediatista, consumista e com facilidades de crédito, fica fácil adentrar nesse círculo vicioso. O segundo equívoco seria a ideia de que educação financeira é cortar gastos, como o cafezinho ou o lazer. Nada disso. Na realidade, trata-se de uma estratégia para construir a vida que se deseja hoje ou no futuro.
“Daí, sim, talvez você descubra que precisa cortar ou reduzir o lazer do fim de semana porque talvez ele não traga a mesma sensação de poder fazer uma viagem com a família. Por isso, não é simplesmente cortar, mas fazer escolhas e definir o que é prioridade naquele momento”, diz Lueny.
Planejamento financeiro não é apenas cortar gastos
Outro equívoco, conta a planejadora, é ficar engessado à ideia de que é obrigatório anotar todos os gastos ou ter uma planilha cheia de gráficos. Para ela, essa não é uma verdade absoluta, pois, quando se anotam os gastos, a pessoa está olhando para o que já aconteceu e que não conseguirá mudar na maioria das vezes. O mais importante é definir para onde o dinheiro vai, com o que se deseja gastar e, aí sim, definir a estratégia de controle para determinar o plano de ação e decidir, sobretudo, como mantê-lo ao longo do tempo. Constância é preciso.
E, claro, todas essas ideias e conceitos valem igualmente para quem está mergulhado em dívidas. Evidentemente, quem não consegue respirar fora da água por mais de poucos segundos acaba não notando possibilidades que muitas vezes estão em seu próprio entorno. A educação financeira seria, portanto, um guia para perceber com mais clareza essas possibilidades de transformação, de sair do lugar de escassez e traçar caminhos que resgatem a saúde financeira.
A importância do direcionamento financeiro
Para quem está com os dois pés no atoleiro, parece complicado. Mas não é. “As dívidas, na maioria das vezes, representam um aspecto negativo das raízes financeiras. Muitos reproduzem o padrão de comportamento financeiro que aprenderam com os pais. Ter contas atrasadas mexe com a saúde mental das pessoas. Por isso, um dos primeiros passos para quitá-las é, justamente, voltar a sonhar. É preciso concentrar as energias em uma meta que esteja além das dívidas. Caso contrário, a pessoa vai se concentrar tanto no processo de quitação que, depois que ela conseguir quitar, a vida financeira vai ficar sem rumo, e dinheiro sem destino é um chamariz para os maus hábitos”, esclarece Amanda Dias.
Muitas vezes, como consequência, esclarece a educadora, a pessoa volta a se endividar para ter um “propósito” para o dinheiro. E, se fala que não consegue juntar dinheiro, logo assume outra dívida para ter um boleto todo mês para pagar. “Com metas claras, a dívida vira apenas um obstáculo a ser ultrapassado para que o sonho possa se realizar.”
Hora da virada
Não se frustre mais nem se culpe pelos equívocos financeiros cometidos no passado, mesmo que o último deslize tenha acontecido há poucos minutos. Diz o velho ditado que o dinheiro não aceita desaforo, e é verdade. Mas também é verídico que a mudança está em suas próprias mãos.
É fato que as crenças limitantes e os traumas em relação ao dinheiro continuam a ser um dos maiores impeditivos para uma educação financeira bem aplicada. Mergulhar em si próprio, portanto, é necessário para identificar tais crenças, suas origens e modus operandi. “Elas [as crenças] são mais que ideias, funcionam como programas internos, organizam nossa percepção e definem nosso comportamento”, atesta Amanda.
O dinheiro como ferramenta para o bem-estar
Quem passa a se dedicar com alegria e afinco à educação financeira também caminha junto com um oráculo para todas as horas: o fluxo de caixa. O nome soa empresarial, mas nada mais é do que um diagnóstico que aponta a direção atual da nossa vida financeira e qual será o resultado de trilhar essa estrada. Trocando em miúdos: é ali onde estão anotadas as entradas e as saídas, e onde você pode analisar o impacto de escolhas passadas e, sobretudo, as futuras.
Sendo educados dessa forma e estimulando os demais ao mesmo, podemos compartilhar de uma vida mais saudável: “e o dinheiro é uma ferramenta importante para que a gente alcance esse bem-estar”, conclui Lueny. “Quando tenho essa consciência na forma como me relaciono com o dinheiro e passo a fazer escolhas mais lúcidas, caminho para um viver mais pleno”.
Dinheiro, enfim, não é o impeditivo para realizar o que a gente mais deseja. Em muitos casos, saber usá-lo é a chave para desfrutar de tantas coisas que compõem o nosso bem viver. Sabendo usar, há menos chances de faltar… E mais oportunidades para prosperar.
Por Gustavo Ranieri – Revista Vida Simples
É jornalista, poeta e padeiro artesanal. Acredita que o dinheiro deve estar a nosso serviço, e não o oposto disso.