Já ouviu aquela história de que a humanidade se apartou da natureza e, às vezes, esquece até mesmo de que faz parte dela? Se pensarmos que mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas e essa tendência só aumenta, é de se imaginar que o dia a dia da maioria de nós anda mesmo cada vez mais distante do mundo natural.
À exceção dos povos indígenas e de comunidades nativas tradicionais, cuja cultura os mantém em constante contato com diversos ecossistemas, o restante das pessoas vive hoje entre prédios, asfalto e barulho de trânsito. E não sem consequências. Infelizmente.
Os efeitos dessa falta de natureza vêm sendo notados há décadas, ainda que paire sobre nós um senso comum que entende ser benéfico passar um tempo longe do agito urbano, curtindo uma casinha no campo ou uma praia mais tranquila. Foi essa ideia, aliás, que ganhou força no Japão no início dos anos 1980, quando o nível de estresse da população estava alarmante.
O próprio governo elaborou um plano emergencial e passou a incentivar as pessoas a sair de casa e praticar o shinrin-yoku, ou banho de floresta, além de apoiar pesquisas sobre os possíveis benefícios do contato com áreas de vegetação farta na saúde das pessoas.
A prescrição: uma hora semanal de banho de floresta ou 20 minutos três vezes na semana. Assim, em pouco tempo, o que antes era uma suposição ou mera constatação empírica (e óbvia até) ganhou também comprovação científica.
Shinrin-yoku: o que é o banho de floresta japonês?
Pioneiro no assunto, o médico japonês Qing Li, autor dos livros Shinrin-yoku: A arte japonesa da terapia da floresta (Editora Nascente, 2018, Portugal) e Forest Bathing: How trees can help you find health and happiness (Penguin Life, 2018), entre outros, costuma dizer que o simples hábito de visitar parques ou fazer caminhadas regulares em zonas verdes já proporciona benefícios físicos e psicológicos e ajuda a combater o que considera ser a epidemia do século 21: o estresse.
Mas o banho de floresta, originalmente oriental, vai além: é uma prática meditativa que envolve a ideia de consciência plena, mindfulness, não importa o nome que se dê. É diferente de ir à praia ou fazer uma trilha com o celular na mão ou com fone de ouvido. Ela envolve aterramento, pertencimento, presença.
E não é de hoje que pesquisadores estudam os impactos da natureza na saúde humana. Na mesma década, em 1984, a comunidade científica global teve acesso a um estudo feito pela Universidade Técnica Chalmers, em Gotemburgo, na Suécia, que mostrou que pacientes internados em hospitais se recuperavam melhor e mais depressa quando acomodados próximo a uma janela com vista para o ambiente externo, em comparação com aqueles que ficavam confinados entre quatro paredes.
Autocuidado consciente
Graças às experiências de Qing Li, foi possível provar que passeios introspectivos pela floresta reduzem a pressão arterial e os níveis de açúcar no sangue, além de melhorar a saúde cardiovascular, a concentração, a memória e a imunidade. Ele ainda constatou que certas fragrâncias segregadas pelas árvores atuam como antidepressivos, uma “injeção” de bem-estar emocional.
Em suas pesquisas, o médico comprovou ainda que o banho de floresta tem relação direta com a redução do cortisol (principal hormônio do estresse) e de sintomas ligados a ansiedade, fadiga e irritação. Até a qualidade do sono melhora (15%) após uma caminhada de duas horas na mata.
De lá para cá, uma sucessão de pesquisas conferiu seriedade à prática do shinrin-yoku, conquistando adeptos em todo o mundo, mesmo entre pessoas mais céticas e racionais. O médico Yoshifumi Miyazaki, da Universidade de Chiba, no Japão, engrossa o time de cientistas que ressaltam os efeitos benéficos da terapia florestal.
Focado no assunto desde 1990, ele publicou em 2009 uma pesquisa em que menciona que a redução do estresse, da pressão sanguínea, da frequência cardíaca e da atividade do sistema nervoso simpático (que gera reações involuntárias a situações de estresse e perigo) é acompanhada por uma melhora de 56% na atividade do sistema nervoso parassimpático, responsável por estimular ações que permitem ao organismo responder a situações de calma, saciedade, repouso e relaxamento.
Difusão do shinrin-yoku pelo Brasil
O mais importante, dizem os especialistas, é estar imerso em uma área de natureza preservada. “Não importa se você mora em uma cidade grande ou pequena, o banho de floresta pode ser feito em um parque público, na praia ou até no jardim de casa, desde que o lugar ofereça pouco ruído e baixo índice de poluição”, afirma o terapeuta integrativo Fernando Souza, doutor em Educação pela PUC-SP e professor da pós-graduação em Saúde Integrativa e Bem-Estar do Ensino Einstein, entidade ligada ao Hospital Israelita Albert Einstein.
Fernando é um dos dois únicos brasileiros atualmente em processo de conclusão de uma formação em Florestaterapia pelo Forest Therapy Hub, organização internacional sediada em Portugal que vem disseminando o banho de floresta por diversos países. “A prática em si é muito simples, mas existe uma metodologia”, ressalta. Ele conta que o banho começa com a escolha do lugar, de um cantinho no parque, por exemplo, em que você possa começar a perceber melhor o seu corpo e as suas sensações.
“Não é um momento de entretenimento, mas de autocuidado consciente, de despertar os sentidos da visão, audição, tato com exercícios simples de observação de folhas caídas, texturas, sons distantes e mais próximos, e assim por diante”, diz ele. Em seguida, os praticantes aprofundam esse estado de presença na natureza ao longo de uma caminhada intencional com potência curativa para o corpo e a mente. Impossível não ser afetado.
Saúde e reconexão
Os efeitos dessa experiência são imediatos. Quem pratica costuma relatar que terminou o processo mais calmo, tranquilo e grato pelas belezas e surpresas ofertadas por Gaia. “Senti uma sensação de alegria muito grande, um relaxamento, um bem-estar físico muito gostoso”, diz Claudia Zogno, advogada e praticante de trekking que teve sua primeira experiência em banho de floresta guiado há cerca de um mês.
Para além de benefícios instantâneos, a prática da terapia florestal reserva ainda outras vantagens. “Tem um residual, algo que fica reverberando ao longo dos dias, como mais clareza mental, mais tranquilidade. Esse estado de quietude permite ganhos na nossa inteligência emocional que ajudam em reuniões no trabalho ou na resolução de conflitos familiares”, afirma Vivian Aneas, terapeuta integrativa, professora de yoga e meditação. Ela experimentou a imersão recentemente e se encantou.
“É incrível pensar que temos tantas áreas verdes nas cidades e que isso está à disposição de todos gratuitamente, como um recurso terapêutico de baixíssimo custo que precisa ser mais explorado pela sociedade”, defende, com razão.
Estudos da Fundação Oswaldo Cruz
Pensando nisso, a Fundação Oswaldo Cruz vem estudando o banho de floresta em cooperação técnica com o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia. Os objetivos envolvem construir um termo de referência sobre o que é a vivência e buscar financiamento para pesquisas na área.
“Nossa maior meta é transformá-la em política pública, apresentando ao SUS (Sistema Único de Saúde) uma proposta de relevância e viabilidade do banho de floresta como prática não convencional a ser prescrita para a população em todo o país”, explica o médico Guilherme Franco Netto, coordenador do Programa de Saúde, Ambiente e Sustentabilidade da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz. Tendo em vista a riqueza dos nossos biomas, esse plano nasce com inspiração de sobra.
Situado em uma área de Mata Atlântica em Juquitiba, a 70 km de São Paulo, o Instituto Terra Luminous aposta na inserção do banho de floresta como prática integrativa de grande potencial para a saúde pública. O instituto socioambiental também é uma ecovila e um centro de retiros e experiências, onde mora o arte-educador e cuidador integrativo Rafael Oliveira, gestor de projetos socioambientais do Terra Luminous.
“Não há área de conhecimento hoje que não deva fazer uma intersecção com a natureza, e o banho de floresta é justamente isso: um reencontro das pessoas com a natureza da qual somos parte”, comenta. Para ele, a terapia florestal vai além das melhorias na saúde física e mental.
“É muito mais possível eu querer ser um agente transformador e fazer algo por essa Mãe Terra que nos abriga se eu consigo trilhar esse caminho de reconexão com o planeta”, defende Rafael, responsável também pelas atividades com banho de floresta no instituto e pela recepção de crianças e professores da rede pública municipal.
A essa altura, você pode perguntar: o mergulho na mata se faz sozinho ou comum condutor? “Não é imprescindível que seja uma experiência guiada, mas muitas pessoas precisam se reeducar e reaprender a estar no mundo natural. Nesse sentido, experimentar um banho guiado pode ser muito interessante”, avalia.
Por Giuliana Capello – revista Vida Simples
Jornalista, ecofeminista e entusiasta do banho de floresta no quintal de casa, no bosque do bairro ou no parque nacional.