Saiba como escolher o melhor caminho diante das adversidades

Saiba como escolher o melhor caminho diante das adversidades
Em momentos de adversidade, é muito importante saber escolher um novo caminho de forma saudável (Imagem: Andrii Yalanskyi | Shutterstock)

Como muitos adolescentes dos anos 1980, o jovem Sânzio Brandão tinha o sonho de tocar violão e guitarra. Uma lesão de nascença no braço esquerdo, porém, reduziu a mobilidade do membro e o separava do objetivo de se tornar um rockstar. Cansou de ouvir que era melhor desistir e tentar outro instrumento, já que também lhe faltava ritmo.

“Diziam que ele não tinha o dom”, lembra a sua irmã, Juliana Brandão. “Mas ele foi muitíssimo persistente. Começou a tocar o violão do lado contrário e praticava o dia inteiro.” Hoje, aos 49 anos, Sânzio é guitarrista em duas bandas e na Orquestra Mineira de Rock. Com elas, já lançou álbuns e fez shows.

“Todo mundo que alcança um grande resultado passou por frustrações e decepções, teve de persistir e ser resiliente, aprendendo a lidar com a perda antes de ter sucesso”, explica Juliana, doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora da tese “Resiliência e trajetórias de vida diante de adversidades”.

A especialista lembra que a persistência não se aplica apenas à conquista de grandes objetivos. Essa habilidade é importante também no dia a dia do trabalho e do cuidado conosco e com os outros, uma vez que, em muitas atividades cotidianas, acabamos tendo de lidar com reveses do destino e bagagens subjetivas repletas de histórias difíceis. Em geral, ali se escondem traumas que ainda não foram curados e precisam ser atravessados para que possamos seguir a vida.

Maiores do que antes

Você já parou para pensar o que teria acontecido se tivesse desistido ao se deparar com as primeiras pedras? É impossível caminhar sem topar com desafios. Entretanto, lutar para superá-los com empenho e paciência é um poderoso norte para acessar e desenvolver nossos recursos internos, defende Clenderson Xavier, psicólogo clínico e sexólogo.

“A resiliência nos obriga a conhecer nossos limites, emoções e capacidades. Através dela, podemos crescer, evoluir e nos tornar mais fortes emocionalmente, além de versáteis, criativos e empáticos”, afirma.

A filósofa Lúcia Helena Galvão, palestrante e voluntária na Organização Internacional Nova Acrópole, concorda que a resiliência tem a ver com nos reconstruirmos após qualquer dificuldade e até criarmos uma forma ainda melhor com a superação. “Comprometer-se a sair do outro lado maior do que eu entrei é adotar a resiliência como uma filosofia de vida”, ela amplifica.

Satisfação nas etapas percorridas

Pelo fato de essa travessia demandar muito de nós, a filósofa recomenda que a gente encontre satisfação não só no alvo atingido, mas também nas etapas percorridas, pois cada momento tem seu valor. “Quando nós temos uma ansiedade que nos arrasta para o futuro, o processo se torna desgastante e aí a persistência pode ficar difícil de suportar. Temos de aprender a caminhar para o nosso sonho fazendo com que cada passo tenha o mesmo sabor que o passo final, porque senão nós nos tornamos pessoas amargas, ansiosas e deslocadas em relação ao presente”, observa a pensadora.

Mas como podemos persistir em nossos objetivos sem desanimar diante de um cenário de incertezas políticas, econômicas e sociais? Abraçando essas mesmas incertezas. O que não é nada radical se pensarmos como a monja zen-budista Waho Degenszajn.

Segundo ela, é um engano achar que exista qualquer estabilidade onde ancorar nossos sonhos. “O mundo não nos desestabiliza, o mundo é instabilidade. E nós somos o mundo. Ter capacidade de viver as experiências da vida com abertura suficiente para ceder, fluir e transformar é de grande utilidade”, analisa.

A prática ensina

Waho recomenda que, ao experimentar sentimentos densos, como tristeza ou raiva, os observemos antes de reagir. “Só de fazer isso, a realidade já se transforma”, incentiva. Uma das maneiras é pela meditação, prática de sentar-se em silêncio, observando os pensamentos e sentimentos que surgem, sem se emaranhar neles.

Aprender a tornear a mente e as emoções é mesmo o grande segredo para ondular junto com os relevos que encontramos pela frente, ratifica a psicóloga Karen Vogel, professora da The School of Life. “Muitas vezes, buscamos evitar o que sentimos comendo, usando estimulantes, trabalhando demais. Mas a resiliência envolve entrar em contato com as emoções”, frisa.

Ela não é, portanto, uma característica inata, mas uma habilidade que podemos desenvolver. No livro Resiliência – O Segredo da Força Psíquica (Vozes Nobilis), a autora alemã Cristina Berndt cita pesquisas sobre genes, fatores da personalidade e da história pessoal que favorecem o “tônus” interior em uma pessoa, como ter sido criado em um ambiente acolhedor na infância. Porém é possível melhorar o enfrentamento de dificuldades desenvolvendo uma rede de apoio ao longo da vida e se conhecendo mais por meio da psicoterapia.

Além disso, é importante saber que ninguém é essencialmente resiliente e que a nossa capacidade de atravessar bem uma turbulência muda de acordo com as conjunturas, aponta a psicóloga Juliana Brandão. “A mesma pessoa que sai fortalecida ao enfrentar um tratamento contra o câncer pode sucumbir psiquicamente ao vivenciar a morte de um filho”, exemplifica. “A resiliência tem a ver com um processo de enfrentamento e não exatamente com um traço de personalidade”, complementa.

Desenho de homem se equilibrando em dominós caindo
É sempre preciso avaliar se vale a pena insistir em situações que nos causam mais dano do que benefício (Imagem: Ink Drop | Shutterstock)

Parar ou continuar?

Foram quase dez anos na mesma empresa. O que mais incentivou o psicólogo Diego Barbosa a ficar todo esse tempo no emprego era ser reconhecido por seus pares e superiores com elogios e ter seus projetos apoiados por eles. Apesar do ambiente receptivo, Diego nunca recebeu uma promoção de cargo. Ele começou a observar que contratavam para as vagas mais requisitadas pessoas de fora, diferentes dele fisicamente e com formação em uma universidade específica.

“Sou um homem preto e não estudei nessa instituição. O perfil que aquele lugar buscava para o topo não tinha a minha cara”, conta. “Entendi que, por mais resiliente que eu fosse, eu era ouro e nunca me tornaria prata como eles gostariam. Assim, decidi parar de ocupar aquele espaço e fui construir o meu próprio.”

Ou seja, até que ponto devemos persistir? Desistir, em alguns casos, não seria necessário para evitar um desgaste maior e criar novas possibilidades? Com a experiência, Diego aprendeu que a persistência não pode ser maior do que a busca pela felicidade.

“Se o ouro for submetido a tantos choques, ele se desgasta e começa a perder o valor. Esse é o termômetro: se o choque for maior que o objeto de felicidade, sei que estou no caminho errado”, compara. Após deixar o emprego, ele fundou a Clínica Preta, que promove saúde mental a partir de um olhar afrocentrado de profissionais pretos para pacientes pretos, entendendo e acolhendo suas peculiaridades.

“Às vezes, o que inicialmente chamamos de felicidade pode deixar de ser no meio do caminho e precisamos estar atentos para notar quando o processo mais machuca que constrói”, reflete Diego. Podemos ponderar que o desapego e a certeza de que os aprendizados ficam, independentemente de mudarmos o rumo, são um alento.

Lembra do conselho de se aquietar para deixar o sentir se apresentar? Pois então, cultivar a presença ainda nos ajuda a observar os movimentos da vida e do nosso desejo para (re)alinhar o nosso caminhar em direção ao que faz mais sentido e nos afastar daquilo que a consciência concluiu que já não tem espaço.

“Se lembrarmos que tudo é impermanente, nossos objetivos também se modificam ao longo da vida”, diz a monja Waho. Com base nesse preceito budista, ela orienta: “Abandone as ideias fixas e se abra a cada manhã para um dia novinho em folha, que nunca existiu.”

Abdicar pode ser necessário

Persistir em algo que não vale mais a pena pode desembocar em relacionamentos tóxicos, estresse, esgotamento e outros danos à saúde mental e física. “Fique de olho se o corpo está sobrecarregado, com gripes constantes, se você está brigando muito, irritado ou sem energia”, lista Karen Vogel.

“Quando percebemos que é só a mente frustrada, podemos abrir mão e prosseguir mesmo sem aquilo que queríamos. Aceitar o não é mais resiliente do que insistir em algo que não está acontecendo”, reforça.

Insistir dessa forma pode colocar em risco, inclusive, o nosso progresso em direção a objetivos mais significativos, observa Clenderson Xavier. “É importante lembrar que a resiliência não significa suportar indefinidamente situações prejudiciais ou improdutivas. É superar desafios e adversidades de maneira construtiva”, explica.

Para evitar que a persistência se transforme em teimosia cega e até obsessão, Juliana Brandão incentiva os seus pacientes a praticarem o seguinte exercício terapêutico: colocar na balança o que faz com que eles queiram ficar ou sair de uma situação, seja um trabalho, uma relação ou um projeto de vida. O ônus supera o bônus?

Definir um prazo como limite é válido para prevenir um possível adoecimento. Você pode decidir, por exemplo, tentar algo por mais um mês, um ano ou dois, ou ter mais uma conversa com aquela pessoa. Se o objetivo não for atingido dentro desse prazo, talvez seja a hora de invocar a sabedoria e se retirar para se preservar.

É preciso avaliar a situação a cada momento. Será que você não está segurando a corda por tempo demais e começando a se cortar? Se for o caso, você pode até retomá-la depois. O importante é não deixar de soltá-la se estiver doendo agora ou se concluir que o que te espera adiante não vale o esforço.

Persevere, mas sem se esgotar

“Costumeiramente ouvimos que não devemos desistir dos desafios”, sublinha Diego. Mas, se encontrarmos um urso no meio do caminho, o mais inteligente seria correr para se abrigar, certo? Muitas vezes, porém, queremos lutar contra a fera. “Fazemos isso por vaidade, encorajamento negativo de outras pessoas ou até mesmo falta de conhecimento do desafio”, detalha. Então, fica o alerta: não devemos jamais confundir resiliência com autodestruição.

Para persistir sem se ferir, é necessário balancear a tenacidade e o autocuidado, recomenda Clenderson. “Lembrar-se de que a persistência não significa sacrificar sua saúde e bem-estar é essencial. O equilíbrio entre ser tenaz em busca de seus objetivos e cuidar de si mesmo é fundamental para alcançar seus projetos de maneira saudável e sustentável”, valida.

O psicólogo elenca algumas maneiras de se fazer isso. Uma delas é estabelecer metas realistas. Para isso, defina objetivos, divida-os em etapas menores e acompanhe cada avanço. Isso torna o progresso mais palpável e menos estressante. “O ideal é conseguir administrar a expectativa, identificando o objetivo final com realismo e entendendo que vai haver dificuldade no caminho”, acrescenta Juliana. “Isso vai diminuir a frustração e a sensação de fracasso se algo fugir do esperado.”

Busque ainda intercalar períodos de maior dedicação e trabalho com pausas para descansar e se cuidar. Reserve tempo para atividades que promovam seu bem-estar, como manter hobbies ou encontrar os amigos. Receber apoio e compartilhar suas investidas com pessoas de confiança ou um terapeuta também é indicado. E não se esqueça de, periodicamente, avaliar seu progresso e fazer ajustes se necessário.

Também vale ser gentil consigo mesmo, evitando autocríticas severas. E se lembrar de que cometer erros faz parte do processo de aprendizado e crescimento. “Precisar ser mais resiliente é ser humano, precisar ser menos também”, pontua Karen. Não há dúvida de que podemos persistir ao longo do tempo, de maneira mais saudável, quando somos afáveis com nossos esforços, reconhecendo os avanços de cada dia e respeitando nossos limites, mas também nos impulsionando em direção aos nossos intentos.

Pensando bem, a resiliência nos ensina a sair da posição de vítimas para a de protagonistas que descobrem sua força interior diante dos fatores externos. Ajustar o rumo e cair faz parte, e saber disso nos torna ainda mais robustos, flexíveis e fiéis aos seres mutantes que somos.

Por Martina Medinarevista Vida Simples

Jornalista e uma ariana acostumada a persistir. Contudo, tem aprendido a desistir, em alguns casos, para voltar a si mesma.

Redação EdiCase

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