Seja qual for a sua idade e onde quer que esteja, é inegável a infinidade ininterrupta de coisas novas a serem aprendidas e disponíveis ao seu redor – e ao de todos nós. Da aquisição de um saber ancestral ao exercício de uma habilidade manual, ou a compreensão de conceitos da física quântica, tudo é possível agora mesmo – em boa medida com acesso gratuito – em algum centro educacional perto de sua casa, nas plataformas online de ensino a distância ou nas de compartilhamento de vídeos.
Aliás, a leitura deste texto já é uma demonstração de que você está aberto a novos conhecimentos. E, como nos lembra o neurocirurgião, médico e escritor norte-americano Sanjay Gupta no livro recém-lançado Mente Afiada – Desenvolva um cérebro ativo e saudável em qualquer idade (Sextante), durante os segundos necessários para você ler este parágrafo e o anterior a ele, seu cérebro disparou um número impressionante de sinais elétricos para mantê-lo vivo, respirando, se mexendo, sentindo, piscando e pensando.
“Nosso cérebro esculpe quem somos e o mundo que vivenciamos. Ele cria nossas experiências cotidianas – das que nos trazem alegria, assombro e conexão com outros seres humanos até aquelas complexas em que temos que tomar boas decisões, planejar e nos preparar para o futuro”, escreve em um dos capítulos.
Em outro, salienta: “o envelhecimento ativo envolve mais do que mexer o corpo. Também é preciso mexer o cérebro e exercitá-lo de forma a mantê-lo saudável. Recrutar os músculos no exercício melhora a saúde geral; usar o cérebro de forma desafiadora melhora, do mesmo modo, a saúde cerebral geral. Mas há o jeito certo e o jeito errado de empregar o cérebro. Escolha o jeito certo e ele ajudará você a aproveitar o poder ‘plástico’ do cérebro – sua capacidade de se reconfigurar e fortalecer suas redes”.
Experiências cognitivas são personalizadas
Exatamente por isso, aprender coisas novas não é importante dentro de um aspecto ocupacional somente, mas como elemento essencial no treinamento e fortalecimento das redes cerebrais, ainda que os ganhos reais desse processo não possam ser facilmente medidos, uma vez que são relativamente individuais.
É isso o que conta o médico neurologista Dr. Alan Cronemberger Andrade (@alan.neuro). Com atuação profissional e de pesquisa em Neurologia do Comportamento e Cognição na Universidade Federal de São Paulo, ele destaca que as experiências cognitivas são muito personalizadas, e a leitura de um livro por uma pessoa, por exemplo, pode incrementar a capacidade dela em determinada habilidade em “x por cento” a mais ou a menos do que outra pessoa que tenha lido o mesmo livro.
“O incremento de habilidades e a construção de um arcabouço delas pode ser relacionado hoje ao conceito de reserva cognitiva, algo como o rol de habilidades somadas a aspectos da sua capacidade biológica cerebral. Uma boa reserva cognitiva seria determinante para um cérebro se proteger do envelhecimento ou do Alzheimer, por exemplo”, enfatiza.
Importância de novas atividades para o cérebro
Na prática, as atividades rotineiras são realizadas de forma automática, sem mesmo percebê-las. Outro dia, quando cheguei em casa após termos levado as crianças para brincar no parque, pensei ter esquecido por lá a garrafinha de água delas. Para me certificar, entrei novamente no carro e encontrei a garrafa no veículo, no lugar que sempre colocamos, sem sequer lembrar de ter feito isso. Estava no piloto automático cerebral, o qual, como me explica a neuropsicóloga Rachel Dias, funciona sem despender energia.
“Mas tudo o que é novo convoca nosso cérebro a processar essa informação, e isso promove o aumento da reserva cognitiva, que é igualzinha a uma poupança. Cada experiência nova é como se a gente ‘depositasse’ mais neurônios, fortalecendo as conexões existentes e, até mesmo, criando novas. Esse é um dos fatores protetivos, porque fortalece o cérebro, para criar caminhos compensatórios a qualquer tipo de lesão que ele possa ter, e isso inclui as demências, que são um processo de perda cognitiva gradativa”, explica Rachel, sócia do AtivaMente (@ativamente_vitalidadecerebral), focada na formação de profissionais em estimulação cognitiva aplicada a pessoas idosas.
Dessa maneira, quanto mais recursos, caminhos e conexões nosso cérebro tiver, melhor será seu funcionamento e sua reação perante uma perda. “Então, se começo uma aula de dança, será recrutada minha atenção, memória, funções executivas para realizar os movimentos, flexibilidade cognitiva para entender que o erro faz parte do aprendizado etc. Até que, quando menos se espera, já está dançando toda a coreografia. E aí é a hora de aprender uma nova música, outros passos, novas coisas.”
Desenvolvimento do interesse por aprender coisas novas
Mas será que existem aspectos da formação neurológica de uma pessoa que podem favorecer o interesse dela em estar sempre aprendendo coisas novas, desenvolvendo novas habilidades? De forma geral, a resposta é sim, me responde Alan Cronemberger. E a chave estaria nos primeiros cinco anos de vida.
O neurologista aponta um estudo de Bryan Kolb e Ian Q. Whishaw, do Departamento de Psicologia da University of Lethbridge, no Canadá, o qual reúne evidências suficientes para mostrar que, mais do que alimentação e educação, ambientes com condições globalmente melhores favorecem cérebros mais criativos e prontos a aprender; portanto saudáveis.
“Evidentemente, sem um ambiente amoroso, com bom suporte afetivo, socioeconômico e rico em experiências sensoriais, presume-se que o desenvolvimento cerebral pode ser inadequado, e a criatividade pode ser limitada”, diz o médico brasileiro.
Longevidade e saúde cerebral
Quem hoje tem entre 32 e 42 anos será o idoso de 2050, década em que, segundo estimativas do IBGE, o Brasil terá 31% de sua população formada por idosos, enquanto a média global será de 21%. Mas, para um envelhecimento ativo, ou seja, aquele que prioriza oportunidades de saúde, participação e segurança para a garantia da qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem, quanto mais reserva cognitiva, melhor é.
“Nem todos os fatores são controláveis e há várias causas de demências, inclusive motivos potencialmente preveníveis. E é importante salientar que não só as atividades intelectuais ‘puramente cognitivas’, mas também atividades físicas teriam um poder de trazer benefícios para a saúde cerebral”, destaca o especialista em neurologia do comportamento.
Rachel Dias acrescenta que nunca é tarde para se aprender algo novo, colaborando assim para o aumento da reserva cognitiva e o estímulo da neuroplasticidade, que é a capacidade que o cérebro tem de se adaptar frente a uma necessidade.
Um idoso, portanto, não apenas mantém a capacidade de aprendizado como pode potencializar o funcionamento de seu cérebro. É claro que o órgão, com o passar do tempo, sofrerá o impacto do envelhecimento, como todo o resto do corpo, mas a capacidade do aprendizado não será anulada.
Vantagens do aprendizado contínuo
A construção dessa riqueza cognitiva está, obviamente, associada à importância que damos ao aprendizado ao longo de toda a existência, nos tornando seres abertos ao conhecimento do novo na infância, na adolescência e na fase adulta. Podemos nos dedicar a um programa de estudos formal, ou, como aponta Cronemberger, aprender coisas como o nome de alguém que não é próximo a nós, a manipular uma vara de pescar nova ou até aprender a usar o novo aplicativo de streaming de músicas.
Podemos, inclusive, aprender novas habilidades para aumentar a nossa tolerância ao estresse e à frustração. “Estar aberto ao novo é aprender novas ferramentas e estratégias para lidar com as dificuldades. A partir do momento que eu sei de algo, posso escolher qual caminho seguir. E isso traz novos conhecimentos e mais liberdade de escolha”, reitera a neuropsicóloga.
“Para o ser humano, o aprendizado pode nunca acabar, e é isso que nos mantém funcionando. Em nenhum momento o cérebro parece estático. Na natureza, não aprender pode ser praticamente igual a não sobreviver, diante das tamanhas mudanças ambientais que ocorrem. Tenho uma visão pessoal de que um cérebro com mais habilidades e capacidades construídas, livre para aprender, e estando em um ambiente saudável, seria mais resiliente, paciente, calmo e tolerante. Mas os estudos para responder a essas perguntas precisam ser bastante longos na observação, e são difíceis de executar no mundo real”, realça o neurologista.
Por fim, podemos seguir o conselho que Sanjay Gupta oferece às suas filhas na dedicatória de seu livro Mente Afiada. Talvez esteja ali o segredo para que o cérebro se mantenha ativo e saudável: “Sempre dediquem seu tempo a estar plenamente presentes, porque essa talvez seja a melhor e mais alegre maneira de manter a mente afiada e a vida animada”.
Texto originalmente publicado na revista Vida Simples (Edição 248).
Por Gustavo Ranieri
É jornalista e gosta tanto de aprender que, após uma noite com zumbido no ouvido, se meteu a estudar a vida dos pernilongos.