Veja como reconstruir a vida após a perda de mobilidade

Veja como reconstruir a vida após a perda de mobilidade
Perda de mobilidade reconfigura a vida dos pacientes (Imagem: wheelchair user | Shutterstock)

Além do diagnóstico médico de perda de mobilidade, é também um choque para o paciente e os familiares enfrentar essa outra realidade, que se apresenta de maneira silenciosa. Atividades corriqueiras se transformam em situações complexas e, na maioria das vezes, precisam ser resolvidas sem a assistência adequada.

Ao sair do hospital, uma série de adaptações é necessária para essa nova etapa — das tarefas do cotidiano, como comer, tomar banho e vestir uma roupa, à reestruturação da casa para comportar uma pessoa com mobilidade reduzida que necessita de cadeira de rodas. 

Recuperação dos movimentos não é simples

De acordo com o Ministério da Saúde, em 2023 havia 2,5 milhões de brasileiros com deficiência motora. Em 2011, aos 21 anos, o psicólogo Lucas Junqueira se tornou parte dessa estatística, com uma mudança de vida semelhante à do integrante do grupo Ultraje a Rigor, Mingau, internado desde setembro de 2023 após receber um tiro no lado esquerdo da cabeça.

Receba as novidades sobre Saúde e Bem-estar, Astrologia, Beleza, Culinária e muito mais!

Em um mergulho no mar, ao se chocar contra um banco de areia, Lucas fraturou uma das vértebras da medula, o que o fez perder os movimentos do pescoço para baixo. “O médico me explicou o que tinha acontecido e me disse que eu poderia recuperar os movimentos, só dependia de mim”, relembra. 

Depois de passar um mês na UTI, Junqueira foi transferido para o Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek, em Brasília. Durante dois meses, ele aprendeu sobre a fratura, o que mudaria em sua vida e o que precisaria fazer para se readaptar.

O contato com uma equipe multidisciplinar e a convivência com pessoas que passaram por algo parecido o fizeram entender que recuperar os movimentos não era tão simples e não dependia apenas dele. “O momento em que se descobre que talvez nada volte a ser como antes é quando muitas pessoas desistem. Eu entendi que era uma situação grave, mas que eu iria passar por ela”, diz.

Centros de reabilitação são um apoio na recuperação

O centro de reabilitação é essencial na jornada de recuperação do paciente. Para Vanessa Cruz, especialista em tecnologia assistiva pela Unifesp e coordenadora técnica de Mobility na Ottobock, empresa ortopédica que está apoiando a recuperação de Mingau, o grande diferencial é o olhar holístico sobre o paciente. Compreender quem ele é e o seu papel na sociedade — se é o responsável pela renda familiar, por exemplo — ajuda a fazer um tratamento assertivo do início ao fim.

“No hospital, o médico faz uma prescrição genérica. No centro, é feita a avaliação global para entender as disfunções que a pessoa enfrenta e o plano tático para contorná-las na medida do possível. Além de um ortopedista, o paciente passa por outros profissionais para tratamentos complementares — como o psicológico, fisioterápico, nutricional, cardiológico, cuidados de enfermagem e terapêutico ocupacional”, explica Vanessa.

Extensões do corpo facilitam a readaptação

Para viver essa etapa da vida, o paciente será acompanhado por uma nova extensão do corpo — seja uma prótese ou uma cadeira de rodas. Vanessa enfatiza que ensinar a lidar com esse instrumento também é função do centro de reabilitação. Nesse processo, familiares também participam ao lado do paciente.

“Há um treinamento para entender sobre a fratura e o seu impacto e reaprender atividades cotidianas como tomar banho, comer, usar o banheiro e preparar as refeições. São tarefas de trabalho, lazer, vida social e pessoal que demandam adaptação emocional, financeira e física, e necessitam de amparo familiar e social para proporcionar qualidade de vida ao paciente”, descreve a fisioterapeuta.

Homem sentado em uma cadeira de rodas mexendo em um notebook
Centros de reabilitação ajudam os pacientes a se adaptarem às novas condições de vida (Imagem: SofikoS | Shutterstock)

Reeducação incentiva um novo olhar para realidade

Além da reeducação, o centro de reabilitação também oferece assistência para o paciente saber qual prótese ou cadeira de rodas é a mais adequada para o seu quadro. Tanto no caso do Lucas quanto do Mingau, a readaptação para esta nova vida conta com a presença de uma cadeira de rodas.

Vanessa aponta que, nesta escolha, o especialista leva em consideração que o paciente permanecerá em média 12 horas sentado. Portanto, é necessário o equilíbrio entre o eficaz e o efetivo, ser confortável e possibilitar a mobilidade.

Foi no centro especializado que Lucas descobriu como uma infraestrutura acessível — tal como barras no banheiro e portas com largura correta — o ajudaria a conviver com a sua deficiência. Ele passou por um longo processo para voltar ao cotidiano com o maior grau possível de independência e autonomia que o cenário permite.

“A permanência no centro me abriu um leque de conhecimento e um novo olhar para a realidade. Por exemplo, aprendi a importância dos exercícios para o alívio da pressão da cadeira de rodas e assim não ter úlceras na pele”, afirma.

Com o apoio técnico da instituição e as experiências das pessoas com quem conviveu ao longo dos dois meses no centro de reabilitação, Lucas reconhece que, desde o início, conheceu todas as possibilidades, o que foi crucial para não desenvolver depressão, quadro comum em pessoas que passam por essa situação.

Acessibilidade é um dos pilares para a nova vida 

O centro de reabilitação é um modelo de como o mundo deveria ser para incluir a diversidade da sociedade e fazer valer o direito básico de ir e vir. Na prática, poucos ambientes disponibilizam estruturas simples, como uma rampa. Ao sair da instituição, Lucas descobriu que a sua casa, um sobrado de dois andares, também não fugia à regra. Por alguns meses, a sala se transformou em seu quarto. 

“A volta para casa foi um dos momentos mais difíceis. Tive contato com tudo como era antes. Descobri claramente a diferença entre autonomia e independência. Eu entendi que não poderia subir as escadas para pegar uma roupa de forma independente. Mas não ter autonomia para escolher qual roupa usar me incomodava muito. A acessibilidade proporciona autonomia e independência em certa medida”, destaca Lucas Junqueira.

Maneiras de ajudar pessoas com perda de mobilidade

A flexibilidade e o suporte contínuo são fundamentais para enfrentar os desafios e promover o bem-estar de todos. Por isso, Vanessa Cruz elenca 5 orientações para os familiares apoiarem pessoas que perderam a mobilidade. Confira:

1. Incentive a participação em atividades sociais

Encoraje seu familiar a participar de eventos e a manter conexões com amigos e familiares. Isso pode ajudar a combater o isolamento e contribuir para um ambiente mais positivo. Isso pode incluir esportes adaptados, jogos de tabuleiro adaptados e programas culturais. Estimular a participação em atividades recreativas contribui para a qualidade de vida.

2. Promova a independência

Ajude a desenvolver habilidades que promovam a independência. Isso pode incluir treinamento para uso de dispositivos de mobilidade, adaptação a novas tecnologias e a busca por soluções que permitam maior autonomia.

3. Cuide da sua própria saúde mental

Lidar com a mobilidade reduzida de uma pessoa próxima pode ser desgastante emocionalmente. Certifique-se de procurar ajuda psicológica quando necessário. Isso pode incluir conversas com amigos, familiares ou mesmo a busca por aconselhamento profissional.

4. Mantenha uma comunicação aberta sobre as necessidades

Esteja disposto para conversas honestas sobre os desafios e os desejos. À medida que a situação evolui, é importante adaptar o apoio e as soluções conforme necessário. Manter uma comunicação clara e aberta contribui para o entendimento mútuo e fortalece os laços familiares.

5. Esteja preparado para emergências

Desenvolva um plano de evacuação e assegure-se de que todos os membros da família saibam como agir em caso de uma emergência, levando em consideração a mobilidade reduzida do familiar.

Por Clarissa Perillo

Redação EdiCase

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.