Tenho, no pulso esquerdo, a palavra coragem tatuada em letras minúsculas. Escolhi esse lugar para ficar bem visível, ao alcance dos olhos, e para me lembrar sempre dela, principalmente nos dias mais esquisitos. É que muitas vezes ela me falta, sabe? E me sinto incapaz de realizar das coisas pequenas até aquelas mais importantes, como viajar poucos quilômetros para ver uma amiga ou me lançar em um projeto novo.
Minha insegurança fala mais alto, vem um frio na barriga e, quando percebo, estou mergulhada em uma ansiedade profunda, provocada pelo medo de não dar conta e pelo pensar demais. Mesmo sabendo que na maioria das vezes é tudo coisa da minha cabeça, a ausência de coragem me paralisa. E, para voltar a acreditar em mim e me movimentar, preciso reunir paciência e calma para rever minhas capacidades. Ou, então, aproveitar os lances de impulso, quando desligo os pensamentos e apenas permito a fluência da vida.
Coragem é agir com o coração
A palavra coragem vem do latim coraticum – que, por sua vez, quer dizer coração (cor) e ação (aticum). Ou seja: coragem é agir com o coração. Nos movimentar na direção daquilo que nos faz vibrar, que traz sentido para nós, somado a alguma satisfação ou felicidade, e conversa com o nosso propósito, com nossas escolhas de vida.
Sabe quando a gente toma uma decisão, mesmo sem ter certeza se aquilo dará certo ou não? Ou quando acreditamos tanto em algo ou alguém e, por isso, passamos por cima do medo, vamos lá e nos aventuramos a viver uma história, ainda que tudo nos seja desconhecido? Isso é agir com o coração, dando atenção àquela voz interna que só nós conseguimos ouvir e com a qual podemos optar por seguir ou não.
Reconhecendo as próprias limitações
No entanto, essa nem sempre é uma tarefa fácil. Porque temos nossas limitações, nossos traumas e crenças que, por vezes, nos atrapalham a enxergar o nosso potencial. E também porque, convenhamos, costuma ser um pouco incômodo e doloroso reconhecer nossas fraquezas, acolhê-las e encarar livremente os desejos do nosso coração.
É muito mais simples deixar para lá, fingir que não está acontecendo nada, adiar as decisões, ir “empurrando com a barriga” e viver sem correr maiores riscos, não é? Mas eu também te pergunto: será que vale a pena uma vida assim, guiada pelo medo, sem grandes emoções e, consequentemente, sem muitas realizações?
Coragem é ir com medo mesmo
Eu acredito que não. Não vale a pena passar pela vida de uma forma morna, com inúmeros receios limitantes e pouca ou nenhuma satisfação, acredito. Entendo, a cada dia, o quão importante é alimentar pequenas coragens dentro de nós para, enfim, experienciar novas histórias e alimentar novos sonhos.
Por isso, tenho aprendido a reconhecer o papel de cada sentimento que surge em minha trajetória para, assim, acolher cada um e seguir adiante, apesar deles. Nesse caminho, compreender que a coragem, em si, não é uma emoção: é importante para nos mostrar que é possível cultivá-la e escolhê-la mais vezes diante das mais diversas situações.
“A coragem é uma qualidade cultivável”, explica Isabella Ianelli. Ela é pedagoga e cofundadora da Oceano, uma plataforma de educação emocional que atua desenvolvendo projetos para empresas, escolas e ONGs. Ela me explicou ainda que as emoções são processos de avaliação que acontecem automaticamente em nosso corpo e em nossa mente. E por isso não podemos controlar o surgimento delas.
A tristeza, assim como a alegria e o medo, é natural do ser humano, faz parte de nós, enquanto a coragem, sim, é uma escolha. Podemos optar por evidenciá-la ou não em nossas experiências. “Uma qualidade é algo que podemos treinar, e a coragem é essa capacidade de agir apesar do medo”, pontua.
Usando o medo como oportunidade
É valioso saber também que, em nenhum momento, a coragem é a ausência do medo, como escreveu Nelson Mandela, “mas o triunfo sobre ele”. Então, podemos dizer que uma pessoa corajosa não é aquela que não teme nada nunca. Pelo contrário: somos corajosos quando vamos em frente apesar do medo, reconhecendo nossas vulnerabilidades e confiando em nossa capacidade de sentir e agir. É como diz aquele ditado popular: vai e, se der medo, vai com medo mesmo.
“Numa visão simplista, coragem e medo são coisas opostas, mas na verdade a coragem só surge a partir do medo”, afirma Isabella. E completa: “a professora budista Pema Chodron, no livro Quando Tudo se Desfaz (Gryphus), diz que podemos nos considerar com sorte quando o medo chegar, porque é nesse momento que a coragem aparece”. A citação é esta: “considere-se com sorte na próxima vez em que encontrar o medo, pois é nesse ponto que entra a coragem”.
A coragem é uma escolha
Segundo a Isabella, todos nós temos a capacidade de cultivar a coragem, como se ela fosse uma sementinha plantada em solo fértil ou arenoso. Mas a sociedade em que vivemos muitas vezes nos faz acreditar no contrário: achamos que há aqueles que simplesmente nascem corajosos e seguem assim pelo resto da vida, enquanto outros não. E isso não é verdade.
“É como se acreditássemos que algumas pessoas não sentem medo quando, na realidade, elas lidam com o medo com coragem. Por isso é muito importante entendermos que a coragem não é uma emoção: é uma escolha, uma qualidade que se cultiva, uma capacidade de agir apesar do que está posto”, conclui Isabella.
Cultivando pequenas coragens
A gente cultiva essa coragem em pequenos hábitos do dia a dia. Eu, por exemplo, faço um exercício de enfrentamento, relembrando para mim a minha própria força. Sempre que um pensamento desencorajador surge diante de algum desafio, olho para ele, identifico sua existência, pergunto-me se ele é legítimo ou só um abismo entre a realidade e os meus desejos e me puxo de volta para o agora.
“Muitas vezes, o medo vem de uma série de pensamentos que nossa mente cria. A ansiedade é um desses estados, e isso é muito comum”, observa Isabella. De acordo com ela, para acalmar esses pensamentos, é importante olhar o medo nos olhos, dar uma nova chance à nossa mente e não acreditar em tudo o que ela diz.
“É escolher agir com coragem, quando notamos que é possível superar aquele obstáculo. E, logo, aquele medo”. Eu sei. Não é tão simples quanto parece. São inúmeras tentativas e erros e, em algumas vezes, custa a funcionar. Mas tenho percebido também que, na maioria das ocasiões em que a falta de coragem me convence a desistir, vem o arrependimento em seguida, quando tomo consciência de mim.
Uma preparação para grandes saltos
Agir com coragem, enfrentando pequenas coisas que me amedrontam, enfim, tem me preparado para saltos maiores e me tira a sensação de estar apenas observando a vida passar. Aqui, vale lembrar que o medo nem sempre será algo ruim, como a gente tem o costume de achar. Em algumas situações, ele pode funcionar como um sinalizador, um alerta de perigo nos pedindo cautela e nos livrando de maiores problemas.
Cabe a nós reconhecer e respeitar os nossos limites, sem nos render à inércia, criando um certo equilíbrio entre as situações que se apresentam diante de nós. “A emoção medo reconhece algo que pode nos prejudicar. Por isso nos prepara para a fuga. É preciso prestar atenção nessa intuição, que é muito benéfica para nossa vivência, já que pode nos salvar”, pontua Isabella.
Não vamos saltar de um prédio de 20 andares, sem qualquer proteção, apenas para enfrentar um medo de altura e testar a nossa coragem. Não é isso. Mas podemos nos aventurar em um salto de tirolesa, utilizando aparelhos de segurança e com profissionais capacitados para nos orientar. Consegue perceber a diferença?
Vivendo um sonho da infância
A história do Juliano Freitas também é um bom exemplo para nós. Ele é instrutor de voo de asa-delta, um dos esportes radicais que acho mais bonitos. Quando criança, o Juliano via pela TV outras pessoas voando com aquelas asas grandes, coloridas, e se encantava por toda a aparente leveza. E dizia para os pais: “é isso que quero fazer quando crescer, para ficar mais perto das nuvens”.
Já adulto, quando se aventurou a voar pela primeira vez, precisou reunir coragem e se lembrar do menino sonhador e destemido, que nem pensava em medo ou em nada parecido e, por isso, vivia como se tudo fosse possível. “O primeiro voo foi estranho. Um misto de adrenalina, insegurança e medo. Mas, quando eu me lembrei do Juliano menino, querendo apenas tocar as nuvens, consegui aproveitar o momento, sentir o vento no rosto e tomar consciência de mim”, conta.
Passado o impacto do primeiro voo, quando tocou o chão, Juliano entendeu que honrar seu sonho de criança era a coisa mais corajosa que poderia fazer por si mesmo. E que aquilo também o ajudaria a se encontrar. Então decidiu estudar, se especializar e se dedicar ao esporte, ajudando outras pessoas a enfrentar seus medos de altura, experimentando outras perspectivas de coragem. Essa, para ele, é a parte mais gratificante de todo o trajeto até aqui.
“Quando enfrentamos o que nos assombra, encontramos essa coragem de que tanto ouvimos falar por aí”, afirma Juliano. E disse ainda que, quanto mais nos distanciamos dos nossos sonhos e da criança que fomos, mais difícil fica de encontrar essa coragem.
A importância de lidar com medos de forma gentil
E é verdade. Quando somos crianças, tudo tem a luz clara das novidades e da curiosidade. Agimos mais pelo coração e de maneira espontânea, vivendo a inocência de quem ainda não construiu muitos traumas. E arriscamos mais, embora já conheçamos emoções como medo e tristeza. “Gosto muito de pensar em como geralmente bons processos educativos lidam com o medo das crianças pequenas e o que podemos aprender com isso em nossas próprias vidas”, exemplifica Isabella.
Ela me explicou que, se uma criança tem medo do escuro, por exemplo, o educador não vai colocá-la em um corredor e apagar as luzes para que ela vença esse medo. Mas ficará atento e, aos pouquinhos, de maneira natural, ajudará a enfrentar sem artificializar um mundo em que o objeto do medo não existe. “Da mesma forma, podemos ser gentis com nós mesmos e compreender que o caminho pode ser longo”, pontua.
Gentileza gera coragem
Sendo gentis, temos maiores chances de estabelecer relações mais honestas com nós mesmos e com quem está ao nosso redor. E, assim, vamos nutrindo as pequenas coragens, compreendendo que somos humanos, temos nossas fraquezas, nossos erros e acertos. Mas nos tornamos ainda mais vivos quando nos arriscamos. “Permitir-se ser quem se é de verdade, reconectar-se com sua verdadeira essência, e não com o que os outros, o mundo, a sociedade desejam ou esperam de nós”, analisa a psicanalista Waleska Silva.
De acordo com ela, quando nos acolhemos diante de um momento de insegurança, entendendo e aceitando nossos sentimentos e emoções, sem ignorar ou reprimi-los, vai ficando mais fácil lidar com nossos medos, por mais desconfortável que isso seja. “Sem crítica, sem cobranças. A resiliência é uma habilidade que podemos desenvolver e seguramente nos auxiliará para enfrentar situações desafiadoras com mais coragem”, conclui. E lembrou ainda que nós não precisamos lidar com nossas vulnerabilidades sozinhos. Buscar a ajuda de amigos, familiares ou de um profissional é de grande valia.
Coragem e a autoconfiança
‘Uma vida mais corajosa nos dá a chance de realizar, de conquistar, de sonhar. Melhora a nossa autoconfiança, nos abre a possibilidade de olhar para outras direções e perceber que existem opções de escolha”, observa. Cientes de tudo isso, aos poucos vamos encontrando brechas para que a coragem se sinta cada vez mais confortável em conviver ao nosso lado, e nós ao lado dela, sem tantas autossabotagens.
Seja para viver um novo amor, encarar o fim de um relacionamento, deixar um trabalho para viver um sonho, viajar de avião para um lugar desconhecido, mudar de endereço, vencer uma crença limitante: tudo isso demanda coragem. “Conhecer a si mesmo, ser verdadeiro com você em primeiro lugar, possibilita uma infinidade de novas descobertas, vivências, experiências, levando-nos a desenvolver uma inteligência emocional melhor e satisfatória”, finaliza Waleska.
Agora, cheia de coragem, desejo que você se lembre de que só nós mesmos somos capazes de enfrentar nossos desafios e reconhecer nossas capacidades. Que, depois deste texto, você consiga dizer em voz alta e em bom-tom: “eu vou porque eu posso!”. E encontre direção para realizar os sonhos do seu coração.
Por Débora Gomes – revista Vida Simples
É jornalista e, depois de escrever esta matéria, criou coragem para tirar um projeto do papel e realizar um sonho.