Entenda os perigos da positividade tóxica

Entenda os perigos da positividade tóxica
Expor os sentimentos não deve ser tabu (Imagem: Drawlab19 | ShutterStock)

“Oi, tudo bem?”, “Tudo bem. E com você?”, “Tudo bem!” – Você já deve ter ouvido ou falado alguma vez. Ou, talvez, todas às vezes. Isso porque, desde cedo, somos habituados a pensar e falar que “está tudo bem”. A não compartilhar aquilo que realmente sentimos. A não acolher sentimentos não aceitos socialmente – como raiva, tristeza, inveja, ansiedade…

Só que esse tipo de comportamento pode nos trazer diversos problemas: atrapalhar nosso autoconhecimento, evolução, relações interpessoais e outras áreas da vida. Algo que parece ser simples – uma resposta ingênua ou automática – é apenas a superfície de camadas que nos acompanham e alimentam um círculo vicioso no qual parece ser preciso estar sempre “positivo e operante”, apesar de tudo.

Positividade tóxica. É como algumas pessoas chamam. O lado positivo é que temos recebido cada vez mais notícias sobre os perigos “dessa positividade toda”. Na contramão, há quem não concorde com o termo (!), achando impossível que algo “positivo” seja ruim ou tóxico – o que denuncia a própria positividade tóxica.

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O que significa o termo?

Sempre que falo sobre isso nas minhas redes sociais, a polêmica é certa. Tenho aprendido bastante com o ponto de vista de outras pessoas, e minha intenção aqui é organizar os pensamentos. Então, antes de continuar, vale explicar o conceito que vai embasar este texto: positividade tóxica é quando agimos sem reconhecer ou aceitar (em nós ou nas outras pessoas) emoções ou ações “negativas” que existem, independentemente do que é positivo, impondo uma atitude forçada ou falsamente positiva. Isso não impede ou não vai contra o conceito de “pensar positivo” – também falarei sobre essa diferença, mas primeiro veremos alguns dos perigos da positividade tóxica.

Emoções

Para a terapeuta e psicóloga britânica Sally Baker, “o problema com a positividade tóxica é que ela pode representar a negação de todos os aspectos emocionais que sentimos diante de qualquer situação que nos represente um desafio”.

Com isso, pode se tornar uma fonte de alienação do sentir. Ao tentar anular processos emocionais complexos – e inerentes ao ser humano – como dor, raiva, mágoa, por serem considerados moralmente negativos, nos desconectamos de quem somos. Ou, na tentativa de “não sofrer”, podemos acabar sofrendo ainda mais.

Resoluções

Você já deve ter contado algo de “ruim” sobre sua vida e ter ouvido “mas pense pelo lado positivo!”. Olhar pelo lado positivo para as diferentes situações pode ser muito legal e até construtivo, mas há um risco em olhar apenas para esse lado.

Ele não deve negligenciar ou ser maior do que nossas próprias emoções ou até mesmo os problemas estruturais da nossa sociedade, nos levando a crer que somente o olhar positivo irá resolver ou superar qualquer problema. Criar uma realidade mágica na qual tudo é lindo e não encarar problemas de frente reduz bastante as chances de superá-los.

Ilustração de mulher ruiva com a mão no coração
É preciso coragem para reconhecer e enfrentar os cenários ruins (Imagem: Shutterstock)

Relações

Nas relações interpessoais, é preciso haver espaço para manifestar descontentamento, insatisfação, tristeza… Somente assim será possível construir uma relação inteira. A transparência é fundamental e, para que haja transparência, é preciso se abrir para reconhecer todas as emoções em torno da relação. Além da falta de inteireza, não reconhecer problemas nas relações, ou focar somente “o positivo”, pode, algumas vezes, “justificar” relações abusivas e uma série de violências (às vezes nem tão óbvias).

Opressão

Há um risco também de pensarmos que nossos problemas são frutos de “crenças limitantes” ou “escolhas”. Tais generalizações podem, muitas vezes, nos fazer perder a autonomia e não nos deixar perceber verdadeiramente tempos e movimentos importantes para a nossa vida.

Ou o extremo: o discurso de que somente “a força do pensamento positivo constrói a nossa realidade” pode ser extremamente opressor para pessoas que vivem realidades mais duras, como consequência de papéis de classe, raça e gênero.

Mobilização

Focar sempre somente o lado positivo pode impedir que mudanças importantes sejam feitas. Vivemos um momento em que o “ficar bem” é quase mandatório. E não temos como negar essa vontade. O problema é olhar somente no bem de uma pessoa ou pensar que “se está bom para um, está bom para todos”. Esse pensamento pode nos impedir de ver e melhorar diferentes realidades. Felicidade, bem-estar e saúde mental precisam ser vistos como atributos coletivos, e não individuais.

Não posso deixar de reconhecer que pensar de forma positiva é legal. É importante, faz bem para a saúde (dizem alguns médicos) e pode nos motivar a enfrentar os desafios do dia a dia. Não quero te desanimar. Mas, às vezes, somente pensar positivo não vai mudar a sua vida e muito menos a sociedade. É preciso construir realidades por meio de ações, e não somente da “força de pensamento”. Ter uma positividade ativa e assumir que existem questões estruturais à nossa volta (como racismo, machismo, homofobia, transfobia…) que impactam de forma importante a vida de muitas pessoas.

Cuidado com a armadilha da positividade tóxica

Há um tempo, a psicologia positiva, do psicólogo e escritor de “The Optimistic Child”, Martin Seligman, tem sido estimulada para auxiliar no tratamento de diferentes problemas e patologias. Ela nos diz que podemos lutar contra o pessimismo e transformar nossos pensamentos negativos em mais positivos – e que isso pode nos fazer bem.

No entanto, Seligman também diz que, se você se sente triste, não deve se concentrar em ser feliz. Ao fazer isso, você poderá cair na armadilha da positividade tóxica. É preciso acolher e trabalhar as emoções negativas. E, principalmente, buscar a causa de tais sentimentos.

Por André Carvalhal – revista Vida Simples

É um escritor e consultor em sustentabilidade, renomado autor de best-sellers como “Como Salvar o Futuro”, “Moda com Propósito” e “Viva o Fim – Almanaque de um novo mundo”.

Redação EdiCase

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